Por Fatima Chuecco (Da Redação)
Morte por caquexia, ou seja, total ausência de alimentação. Esse foi o resultado da necropsia do gatinho que há um mês encontrei morto dentro de uma caixa selada e colocada no lixo no bairro do Ipiranga (SP).
Duas bolas penduradas ao seu corpo chamavam a atenção, além do fato das
garras muitos grossas, longas e curvadas estarem totalmente expostas
como se não trocasse as unhas há muito tempo.Temendo se tratar de um caso de crueldade fiz Boletim de Ocorrência e levei o gatinho para necropsia. O caso teve atendimento exemplar da 17ª Delegacia do Ipiranga sendo que o delegado de plantão, Fernando Toffoli, pediu inclusive perícia do corpo do animal: “Existe uma lei de maus-tratos a animais e, portanto, precisamos tratar casos como esse com total profissionalismo, sem preconceito com o fato de ser bicho e não gente”.
A mentalidade da polícia no Brasil tem mudado bastante nos últimos dois anos com relação a casos envolvendo morte e crueldade contra animais, mas muitos profissionais da área ainda tratam denúncias de maus-tratos com desdém porque não entendem que ao deter um matador de animais a polícia defende não somente bichos, mas também pessoas.
Estudos do FBI apontaram que 80% dos psicopatas de nível mais severo começaram matando animais. Muitos desses criminosos treinam seus métodos em bichos antes de migrarem para vítimas como crianças, mulheres e pessoas indefesas (como pode ser visto na série Matadores de Animais publicada pela Anda). A Polícia Civil de São Paulo também iniciou esse ano um estudo procurando relacionar maus-tratos a animais com violência doméstica e outros crimes.
No caso do gatinho que encontrei, além do atendimento ético da delegacia, houve mobilização de outras pessoas. A protetora Sofia Zervas, por exemplo, desconfiada que fosse mais um caso da gangue que andou matando gatinhos e lacrando-os em caixas de papelão, contatou a USP a fim de conseguir necropsia. O procedimento foi então autorizado pelo professor Paulo Cesar Maiorka, do Departamento de Patologia, responsável também pelas necropsias do Caso Dalva e cujo processo continua em andamento.
Teria sido um caso de negligência ou maus-tratos?
A necropsia constatou um problema renal severo que poderia ter levado o gatinho à falta de apetite e ao ponto de não ingerir mais nada. Isso poderia encerrar o caso se não fosse o estado das garras que é bastante incomum em gatos. “Impossível determinar mas, provavelmente, a falta do desgaste natural das unhas pode indicar que o animal era mantido em cativeiro”, comenta Maiorka.
Foi constatado ainda que as duas bolas penduradas no corpo e bem amassadas eram na verdade bolas de pelo, sendo que uma tinha cerca de 10 cm de largura. Se o gatinho era mantido em cativeiro ou engaiolado, por exemplo, essas bolas poderiam ter se formado pela restrição ao seu comportamento natural de autolimpeza, segundo o patologista.
Nada pode ser afirmado porque não se sabe a origem do gatinho, se foi encontrado nesse estado, se era mantido aprisionado ou se ficou, sem querer, preso em algum lugar por muito tempo. Mas um detalhe deve ser levado em conta: o animal estava embrulhado em jornais de 10 anos atrás. Quem guarda jornais tão antigos? Somente um acumulador. Pessoas que sofrem da Síndrome de Diógenes têm dificuldade de se livrar de sacos plásticos, jornais e do próprio lixo. Na Síndrome da Arca de Noé a pessoa passa a colecionar animais além do lixo.
Sabemos que, muitas vezes, o acumulador de animais pode mantê-los amarrados, engaiolados e fechados em locais sem qualquer higiene. Animais ficam doentes, passam fome e muitas vezes enlouquecem nas mãos de acumuladores. O gatinho foi embrulhado em jornais de 2003 (foto). Então, embora estivesse com problema renal e, por conta disso, com falta de apetite, seu tutor pode ser um acumulador negligente, que negou tratamento veterinário e o manteve preso de forma que ele sequer tivesse condições de trocar as unhas. E essa atitude se enquadra em crimes de maus-tratos. São hipóteses, mas não devem ser descartadas.
O importante papel da necropsia
Um trabalho fundamental para incriminar matadores de animais é a necropsia, dada a riqueza de detalhes do estado do corpo do animal. O exame é feito por patologistas que, no caso da USP, recebem também formação em casos de perícia e medicina veterinária legal. É possível, inclusive, identificar um padrão nas mortes, uma “marca”, no caso de se tratar de um serial killer.
“O exame necroscópico é revelador de lesões não acidentais porque o corpo do animal é avaliado integralmente e presença de traumas e hemorragias pode caracterizar ação maliciosa, assim como o exame realizado no IML humano”, explica o especialista. Ele comenta que para as melhores condições do exame, o corpo deve ser analisado até 24 h ou um pouco mais se o animal for refrigerado mas, dependendo do caso, necropsias possam ser feitas dias ou anos após a morte.
Maiorka conta que casos de intoxicação intencional por chumbinho são os mais frequentes, mas o episódio que mais chamou a atenção da equipe de patologistas da USP até hoje foi o dos gatos encontrados mortos no cemitério do Araçá (SP) em 2010: “Vimos, pela série de fraturas e traumas encontrados nos animais, que se tratou de um dos casos mais cruéis”.
Na época, as protetoras que cuidavam dos gatos do cemitério encontraram diversos bastões feitos de tronco de árvores posicionados próximos aos túmulos e que indicavam que os gatos foram mortos a pauladas. Mais de 90 gatos sumiram e os encontrados no cemitério tinham os corpos dilacerados com gravíssimas fraturas. Não se descobriu o autor dos crimes.
fonte: anda
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