Washington Novaes é um jornalista brasileiro dos mais engajados
nas questões ambientais. Pioneiro também na realização de documentários
sobre culturas indígenas, já trabalhou em vários dos mais importantes
veículos de jornalismo impresso do país como a Veja, Folha de S. Paulo e Gazeta Mercantil.
Na televisão foi editor, diretor e comentarista na Rede Globo, Rede
Bandeirantes e TV Gazeta, entre outras emissoras. Atua também como
documentarista e produtor independente e já recebeu vários prêmios
nacionais e internacionais. Exemplos disso são o Prêmio Esso Especial de
Ecologia e Meio Ambiente de 1992, que recebeu pelo conjunto de artigos
publicados no Jornal do Brasil sobre a Eco-92, o Prêmio da Câmara Americana de Comércio pelo documentário Biodiversidade – Primeiro Mundo É Aqui, em 2001, e o Prêmio Embratel, de 2003, pelo documentário A Década da Aflição, produzido para a TV Cultura de São Paulo. Entre as consagrações internacionais de seu trabalho está a série Xingu – A terra ameaçada,
que recebeu a medalha de ouro no Festival Internacional de TV de Seul,
na Coreia do Sul em 1985, e a medalha de ouro no Festival de Cinema e TV
de Havana em 1990. Em 2004 recebeu o Prêmio Unesco de Meio Ambiente.
Novaes é também autor de vários livros como Xingu, uma flecha no coração, de 1985; A quem pertence a informação, de 1997; A Terra pede água, de 1992, e A década do impasse, de 2002. Em parceria com outros autores, publicou ainda outros livros, entre eles Meio ambiente no século XXI e Saúde nos grandes aglomerados urbanos – uma visão integrada,
este último editado pela Organização Pan-Americana da Saúde e
Organização Mundial da Saúde, ambos em 2003. Na política exerceu o cargo
de Secretário do Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia do Distrito
Federal em 1991 e 1992. Atualmente é colunista e consultor de jornalismo
da TV Cultura. Nesta entrevista exclusiva à editora da ANDA, Cynthia
Schneider, o jornalista Washington Novaes falou sobre o impacto da
agropecuária no meio ambiente, a falta políticas públicas nacionais para
impedir o aquecimento global e a importância da conscientização sobre o
consumo da água. Mas sua principal crítica continua certeira e polêmica
como sua coluna semanal publicada às sextas-feiras no jornal O Estado de S. Paulo:
o modelo de economia baseada no PIB é devastador para o meio ambiente,
gera problemas sociais e ainda, no agronegócio, leva o país a liderar
estatísticas alarmantes: somos o maior consumidor de agrotóxicos do
mundo, permitimos à agropecuária emitir 18% de gases que intensificam o
efeito estufa impunemente e devastar a Amazônia e o cerrado em alta
velocidade.
ANDA – Você tem um trabalho sério e destacado na área de meio ambiente há muitos anos. Como está a questão dos recursos naturais no Brasil devido ao consumo alimentar?
Washington Novaes – No Brasil não é muito diferente do resto do mundo. No mundo todo a questão é grave, com o consumo de recursos naturais além da capacidade de reposição da biosfera que já está em mais de 25%. O Brasil, embora seja um país relativamente privilegiado nessa matéria, também está consumindo acima da disponibilidade média mundial. A disponibilidade média no mundo é de 1,8 hectare por habitante. O Brasil precisa, para atender ao consumo atual da população, 2,1 hectares. Está um pouco acima da média, apesar da situação privilegiada: um território continental, sol o ano todo, 12 a 13% da água superficial do planeta, tem de 15 a 20% da biodiversidade. Mas está acima da disponibilidade média mundial. E com algumas questões bastante complicadas, já que a agropecuária emite 18% dos gases que intensificam o efeito estufa e o Brasil tem uma agropecuária bastante grande. Temos hoje 205 milhões de cabeças de gado bovino. Isso vai significar um problema complicado na área de emissões de metano. A Embrapa Meio Ambiente, que mede lá em Jaguariúna a emissão de cada boi no seu processo de ruminação de alimentos, aponta que são 58 quilos por ano. Então 205 milhões de cabeças por ano representam mais de 10 milhões de toneladas por ano. E o metano é 23 vezes mais agressivo do que o gás dióxido de carbono para a concentração atmosférica. Se você pegar o inventário brasileiro de emissões de 1994, isso corresponderia a toda a emissão da indústria e transporte juntos.
Para alimentos em geral o impacto ambiental da agropecuária é de 18% das emissões de gases do efeito estufa.
ANDA – E isso vem crescendo ano a ano, não?
Washington Novaes – Vem crescendo com o agravante de que. pelos estudos oficiais no Brasil, 75% da emissões se devem exatamente às mudanças no uso do solo para a agropecuária, desmatamentos e queimadas. E essas emissões são 59% na Amazônia e o restante é quase tudo no cerrado, que está sendo desmatado em alta velocidade.
ANDA – Há pesquisas que apontam a devastação da Amazônia para o cultivo de grãos e pecuária. No cerrado ocorre a mesma coisa?
Washington Novaes – No cerrado o último levantamento do ISPM – Instituto Sociedade, População e Natureza junto com a Universidade de Brasília, a perda da vegetação está sendo de 22 mil quilômetros quadrados por ano. Isso é particularmente grave no caso brasileiro, porque só temos um inventário de emissões que corresponde ao ano de 1994. O segundo vem sendo retardado, disseram que talvez para este ano talvez saia. Mas tem algumas indicações. Por exemplo Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial, fez um estudo sobre o clima e a economia para o governo britânico e esteve no Brasil no começo do ano. Ele disse que as emissões brasileiras estão entre 11 e 12 toneladas por habitantes ao ano. Isso significaria mais do que o dobro do que eram as emissões em 1994, mas este dado ainda não foi divulgado oficialmente. Por esta razão a questão dos alimentos é bastante complicada, pois 8% da emissões não é pouco. Há também os outros ângulos da questão, como o consumo de água para a produção de alimentos. O último relatório do Fórum Mundial da Água, do ano passado, diz que para se produzir um quilo de carne são necessários de 15 a 20 mil litros de água, incluindo carne bovina e de aves. Para produzir um quilo de vegetais gastam-se entre 1.000 e 1.500 litros.
ANDA – O Brasil tem algum projeto político de pretenda promover ações práticas para reverter esta grave situação ambiental?
Washington Novaes – Na área de clima, o Brasil se recusa a assumir compromissos. O país tem metas que chama de voluntárias. A principal delas é aquela de redução do desmatamento na Amazônia. Só que o que o Brasil apresentou na reunião de Bali, no final do ano passado, foi de que tomaria por base o desmatamento de 2005 e 2006, o que daria quase 19 mil quilômetros quadrados. A proposta seria reduzir 40% disso aí, o que daria quase 8 mil, baixaria as emissões para 11 mil. Mas 11 mil já está aí. O Brasil reivindicaria um pagamento de cinco dólares por tonelada de dióxido de carbono evitada. Mas eu pergunto: com meta voluntária e com esta redução já tendo sido atingida, quem é que vai pagar isso? Ninguém vai pagar, evidentemente. Mas o Brasil continua se recusando a compromissos na área do clima. E na área de agropecuária, o que acontece é o contrário. São propostas e incentivos para que aumente a produção.
ANDA – Mas esse descaso com os recursos naturais também acaba pesando para o país lá no final, na balança comercial. Num depoimento seu no filme A carne é fraca, há uma crítica severa a este modelo econômico que é focado no PIB. Quais as maiores desvantagens deste modelo e qual uma possível alternativa?
Washington Novaes – O relatório do PNUD – Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento – de 1998 já dizia que o Brasil não tem, realmente, nenhum setor competitivo na exportação. Para compensar essa falta de competitividade, o país recorreria, como muitos outros países, aos chamados fatores espúrios, como diz o relatório, que seriam custos ambientais e sociais não remunerados pelos importadores. Então você fica com um preço social e ambiental para manter isso aí. O mercado mundial de produtos primários, principalmente de comodities agrícolas é controlado por oligopólios. Seja na exportação, importação ou nas cotações de bolsas, esse jogo atende aos interesses dos países importadores, que já importam justamente de países como o Brasil para não ficar com esse custos lá, para não criar a sobrecarga sobre a água, ou sobre mão-de-obra barata. Em conseqüência desse modelo, tem que exportar cada vez mais para não sair do lugar, pois os custos do que você importa para isso vão subindo. Os preços dos insumos químicos, os agrotóxicos, estão sempre subindo. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo. E continuam subindo como agora, por exemplo: o preço das commodities caiu e o preço dos agrotóxicos continua subindo. Então isso nos leva a praticamente não sair do lugar. Em 1964, o país tinha 1% do comércio exterior. Hoje, 45 anos depois, exportando cada vez mais commodities agrícolas, carnes e alimentos, o Brasil tem hoje 1,8% do comércio internacional. Não aumentou nem 10%. Há produtos que o Brasil vende hoje a preços inferiores aos que vigoravam na depressão da década em 1930. Está vendendo mais barato do que naquela época.
ANDA – E, claro, como se não existisse um custo ambiental gigante por trás disso.
Washington Novaes – Como se não tivesse custos ambientais gigantes, como se não tivesse inflação nesse período todo. Enfim, o modelo focado no PIB é onde você fica com todos os preços e sem as vantagens. Não é por acaso que, segundo o relatório do PNUD, é por isso que os países industrializados com menos de 20% da população mundial têm quase 80% do consumo de recursos no mundo. Esses relatórios dizem uma coisa bastante conhecida até, que é o fato de que se todas as pessoas do mundo consumissem como norte-americanos, europeus ou japoneses, seriam necessários três planetas para suprir a demanda por recursos. Além disso há processos de concentração de renda no mundo que são brutais. Esses países têm também mais de 80% da renda mundial. O PNUD diz que as três pessoas mais ricas do mundo juntas têm tanto quanto o produto bruto dos 48 países mais pobres, onde vivem cerca de 600 milhões de pessoas. E cerca de 40% das pessoas vivem abaixo da linha da pobreza, com menos de 2 dólares por dia. Então são situações muito difíceis, muito dramáticas e muito injustas.
ANDA – Ainda sobre a questão social relacionada ao agronegócio, sabe-se que 75% do faturamento desse setor vem da atividade fora da porteira. E ainda se tem notícias de trabalho escravo neste setor. Tais informações procedem no modelo de agronegócio brasileiro?
Washington Novaes – É preciso separar um pouco as coisas. Há a agricultura familiar e o grande agronegócio. A agricultura familiar responde por mais ou menos 80% dos postos de trabalho na área rural. E ela responde mais ou menos por cerca de 70% dos alimentos consumidos internamente: feijão, arroz, mandioca, milho, batata. Mas esse setor vive em grande dificuldade. Agora o setor do agronegócio exportador é onde acontece o trabalho escravo, não na agricultura familiar. A agricultura familiar não tem nem porte para isso. Como ocorre também no setor da cana-de-açúcar.
ANDA – No seu livro A década do impasse, você aborda problemas relacionados a políticas ambientais, contabilidade ambiental e sustentabilidade. Por que o país nunca discute efetivamente soluções para custos ambientais?
Washington Novaes – Porque os interesses são muito divergentes e se tem este preconceito de que os custos ambientais vão tirar a competitividade dos negócios. Então tenta-se não discutir isso ou se discutir de forma preconceituosa, como essa história de que as licenças ambientais levam anos e protegem perereca, protegem sapos, como diz o presidente da República. O fato é que não se quer discutir essa questão dos custos ambientais como se isso fosse uma chatice de ambientalistas, de ecochatos ou ecoxiitas. O que eu acho é que essa questões todas são muito ameaçadoras para todo mundo. São ameaçadoras para governos e para políticos, porque, se eles levarem isso em consideração, eles terão que mudar os seus modos de fazer política e de administrar. São ameaçadoras para empresários também porque ou eles teriam que incorporar os custos chamados de ambientais ou então deixar de fazer certas coisas. E isso, segundo eles, agrava dificuldades num momento particularmente difícil, como esse de crise mundial. Acho que é ameaçador também para a publicidade, porque ela teria que levar em conta coisas que hoje ela não leva e aí vai encontrar muitas dificuldades. Acho que é difícil para a comunicação, porque para colocar isso em foco permanentemente ela teria muitos conflitos com governos, empresas, com a publicidade. Acho que é ameaçadora para uma parte dos jornalistas, que para levar isso em consideração, e levar a sério, teriam que mudar a sua visão de mundo, não podem continuar com essa visão de que o meio ambiente é alguma coisa sem importância. Essas questões teriam que vir para o centro das discussões. E, no final das contas, acho que é ameaçador para qualquer cidadão, porque qualquer pessoa que começa a levar isso muito a sério, não apenas se preocupa, como se vê diante de questões muito difíceis de resolver. Por exemplo, eu já vi duas pesquisas do Instituto Gallup dizendo que dois terços dos habitantes da Grande São Paulo gostariam de se mudar de lá. Agora isso equivale a 12 milhões de pessoas. Mudar esse pessoal para onde, para fazer o quê? Basicamente esse desejo de mudança é por questões chamadas de ambientais: a poluição do ar, perda da qualidade de vida, o lixo, o transporte. Mas diante disso cada pessoa se pergunta o que fazer: “E o emprego da minha mulher?”; “E a escola das crianças?”; “E os meus amigos?” Então é uma questão ameaçadora para todo mundo, só que não há como fugir.
ANDA – Internacionamente parece que a gente já está tentando fazer parte dos debates, mas não existem pressões de outros países por posturas ambientais responsáveis. Como você percebe isso?
Washington Novaes – Acho que na área da convenção do clima as pressões são muito fortes. Isso porque, como as pressões são fortes em relações aos países industrializados, eles querem que os chamados emergentes assumam compromissos. O que eles dizem é que não têm sentido ações de alguns países se os primeiros emissores, como a China, a Índia e o Brasil, também não assumirem compromissos. Ainda mais considerando que nas próximas décadas o aumento das emissões vai acontecer principalmente nesses países emergentes. O aumento do consumo de energia também. Então nessa área as pressões são bastante claras. Em outras áreas as coisas estão ainda complicadas, como na área da Convenção da Biodiversidade.
ANDA – Qual sua proposta sobre questão da água nos alimentos, conscientização?
Washington Novaes – A questão da água, as pessoas não tem ideia do que é preciso. Eu, quando vou fazer palestras em escolas, em geral pergunto sobre a quantidade de água que as pessoas pensam que gastam. E elas respondem um copo ou quatro, um lembra do chuveiro, outro da descarga. E eu sempre lembro a eles que, se você comer um bife de carne de boi no almoço e um no jantar, equivalente a 200 gramas de carne, você vai estar usando três mil litros de água pelo menos. Se você somar isso aos outros usos na casa, o uso médio é de uns 200 litros por pessoa por dia, mais os usos fora de casa e tudo o que envolve a água; não vai ser exagero dizer que são quatro mil litros de água por pessoa ao dia. Há muitas alternativas, no dia a dia mesmo, até na questão do transporte. Mas ainda é difícil as pessoas perceberem.
fonte: anda
ANDA – Você tem um trabalho sério e destacado na área de meio ambiente há muitos anos. Como está a questão dos recursos naturais no Brasil devido ao consumo alimentar?
Washington Novaes – No Brasil não é muito diferente do resto do mundo. No mundo todo a questão é grave, com o consumo de recursos naturais além da capacidade de reposição da biosfera que já está em mais de 25%. O Brasil, embora seja um país relativamente privilegiado nessa matéria, também está consumindo acima da disponibilidade média mundial. A disponibilidade média no mundo é de 1,8 hectare por habitante. O Brasil precisa, para atender ao consumo atual da população, 2,1 hectares. Está um pouco acima da média, apesar da situação privilegiada: um território continental, sol o ano todo, 12 a 13% da água superficial do planeta, tem de 15 a 20% da biodiversidade. Mas está acima da disponibilidade média mundial. E com algumas questões bastante complicadas, já que a agropecuária emite 18% dos gases que intensificam o efeito estufa e o Brasil tem uma agropecuária bastante grande. Temos hoje 205 milhões de cabeças de gado bovino. Isso vai significar um problema complicado na área de emissões de metano. A Embrapa Meio Ambiente, que mede lá em Jaguariúna a emissão de cada boi no seu processo de ruminação de alimentos, aponta que são 58 quilos por ano. Então 205 milhões de cabeças por ano representam mais de 10 milhões de toneladas por ano. E o metano é 23 vezes mais agressivo do que o gás dióxido de carbono para a concentração atmosférica. Se você pegar o inventário brasileiro de emissões de 1994, isso corresponderia a toda a emissão da indústria e transporte juntos.
Para alimentos em geral o impacto ambiental da agropecuária é de 18% das emissões de gases do efeito estufa.
ANDA – E isso vem crescendo ano a ano, não?
Washington Novaes – Vem crescendo com o agravante de que. pelos estudos oficiais no Brasil, 75% da emissões se devem exatamente às mudanças no uso do solo para a agropecuária, desmatamentos e queimadas. E essas emissões são 59% na Amazônia e o restante é quase tudo no cerrado, que está sendo desmatado em alta velocidade.
ANDA – Há pesquisas que apontam a devastação da Amazônia para o cultivo de grãos e pecuária. No cerrado ocorre a mesma coisa?
Washington Novaes – No cerrado o último levantamento do ISPM – Instituto Sociedade, População e Natureza junto com a Universidade de Brasília, a perda da vegetação está sendo de 22 mil quilômetros quadrados por ano. Isso é particularmente grave no caso brasileiro, porque só temos um inventário de emissões que corresponde ao ano de 1994. O segundo vem sendo retardado, disseram que talvez para este ano talvez saia. Mas tem algumas indicações. Por exemplo Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial, fez um estudo sobre o clima e a economia para o governo britânico e esteve no Brasil no começo do ano. Ele disse que as emissões brasileiras estão entre 11 e 12 toneladas por habitantes ao ano. Isso significaria mais do que o dobro do que eram as emissões em 1994, mas este dado ainda não foi divulgado oficialmente. Por esta razão a questão dos alimentos é bastante complicada, pois 8% da emissões não é pouco. Há também os outros ângulos da questão, como o consumo de água para a produção de alimentos. O último relatório do Fórum Mundial da Água, do ano passado, diz que para se produzir um quilo de carne são necessários de 15 a 20 mil litros de água, incluindo carne bovina e de aves. Para produzir um quilo de vegetais gastam-se entre 1.000 e 1.500 litros.
ANDA – O Brasil tem algum projeto político de pretenda promover ações práticas para reverter esta grave situação ambiental?
Washington Novaes – Na área de clima, o Brasil se recusa a assumir compromissos. O país tem metas que chama de voluntárias. A principal delas é aquela de redução do desmatamento na Amazônia. Só que o que o Brasil apresentou na reunião de Bali, no final do ano passado, foi de que tomaria por base o desmatamento de 2005 e 2006, o que daria quase 19 mil quilômetros quadrados. A proposta seria reduzir 40% disso aí, o que daria quase 8 mil, baixaria as emissões para 11 mil. Mas 11 mil já está aí. O Brasil reivindicaria um pagamento de cinco dólares por tonelada de dióxido de carbono evitada. Mas eu pergunto: com meta voluntária e com esta redução já tendo sido atingida, quem é que vai pagar isso? Ninguém vai pagar, evidentemente. Mas o Brasil continua se recusando a compromissos na área do clima. E na área de agropecuária, o que acontece é o contrário. São propostas e incentivos para que aumente a produção.
ANDA – Mas esse descaso com os recursos naturais também acaba pesando para o país lá no final, na balança comercial. Num depoimento seu no filme A carne é fraca, há uma crítica severa a este modelo econômico que é focado no PIB. Quais as maiores desvantagens deste modelo e qual uma possível alternativa?
Washington Novaes – O relatório do PNUD – Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento – de 1998 já dizia que o Brasil não tem, realmente, nenhum setor competitivo na exportação. Para compensar essa falta de competitividade, o país recorreria, como muitos outros países, aos chamados fatores espúrios, como diz o relatório, que seriam custos ambientais e sociais não remunerados pelos importadores. Então você fica com um preço social e ambiental para manter isso aí. O mercado mundial de produtos primários, principalmente de comodities agrícolas é controlado por oligopólios. Seja na exportação, importação ou nas cotações de bolsas, esse jogo atende aos interesses dos países importadores, que já importam justamente de países como o Brasil para não ficar com esse custos lá, para não criar a sobrecarga sobre a água, ou sobre mão-de-obra barata. Em conseqüência desse modelo, tem que exportar cada vez mais para não sair do lugar, pois os custos do que você importa para isso vão subindo. Os preços dos insumos químicos, os agrotóxicos, estão sempre subindo. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo. E continuam subindo como agora, por exemplo: o preço das commodities caiu e o preço dos agrotóxicos continua subindo. Então isso nos leva a praticamente não sair do lugar. Em 1964, o país tinha 1% do comércio exterior. Hoje, 45 anos depois, exportando cada vez mais commodities agrícolas, carnes e alimentos, o Brasil tem hoje 1,8% do comércio internacional. Não aumentou nem 10%. Há produtos que o Brasil vende hoje a preços inferiores aos que vigoravam na depressão da década em 1930. Está vendendo mais barato do que naquela época.
ANDA – E, claro, como se não existisse um custo ambiental gigante por trás disso.
Washington Novaes – Como se não tivesse custos ambientais gigantes, como se não tivesse inflação nesse período todo. Enfim, o modelo focado no PIB é onde você fica com todos os preços e sem as vantagens. Não é por acaso que, segundo o relatório do PNUD, é por isso que os países industrializados com menos de 20% da população mundial têm quase 80% do consumo de recursos no mundo. Esses relatórios dizem uma coisa bastante conhecida até, que é o fato de que se todas as pessoas do mundo consumissem como norte-americanos, europeus ou japoneses, seriam necessários três planetas para suprir a demanda por recursos. Além disso há processos de concentração de renda no mundo que são brutais. Esses países têm também mais de 80% da renda mundial. O PNUD diz que as três pessoas mais ricas do mundo juntas têm tanto quanto o produto bruto dos 48 países mais pobres, onde vivem cerca de 600 milhões de pessoas. E cerca de 40% das pessoas vivem abaixo da linha da pobreza, com menos de 2 dólares por dia. Então são situações muito difíceis, muito dramáticas e muito injustas.
ANDA – Ainda sobre a questão social relacionada ao agronegócio, sabe-se que 75% do faturamento desse setor vem da atividade fora da porteira. E ainda se tem notícias de trabalho escravo neste setor. Tais informações procedem no modelo de agronegócio brasileiro?
Washington Novaes – É preciso separar um pouco as coisas. Há a agricultura familiar e o grande agronegócio. A agricultura familiar responde por mais ou menos 80% dos postos de trabalho na área rural. E ela responde mais ou menos por cerca de 70% dos alimentos consumidos internamente: feijão, arroz, mandioca, milho, batata. Mas esse setor vive em grande dificuldade. Agora o setor do agronegócio exportador é onde acontece o trabalho escravo, não na agricultura familiar. A agricultura familiar não tem nem porte para isso. Como ocorre também no setor da cana-de-açúcar.
ANDA – No seu livro A década do impasse, você aborda problemas relacionados a políticas ambientais, contabilidade ambiental e sustentabilidade. Por que o país nunca discute efetivamente soluções para custos ambientais?
Washington Novaes – Porque os interesses são muito divergentes e se tem este preconceito de que os custos ambientais vão tirar a competitividade dos negócios. Então tenta-se não discutir isso ou se discutir de forma preconceituosa, como essa história de que as licenças ambientais levam anos e protegem perereca, protegem sapos, como diz o presidente da República. O fato é que não se quer discutir essa questão dos custos ambientais como se isso fosse uma chatice de ambientalistas, de ecochatos ou ecoxiitas. O que eu acho é que essa questões todas são muito ameaçadoras para todo mundo. São ameaçadoras para governos e para políticos, porque, se eles levarem isso em consideração, eles terão que mudar os seus modos de fazer política e de administrar. São ameaçadoras para empresários também porque ou eles teriam que incorporar os custos chamados de ambientais ou então deixar de fazer certas coisas. E isso, segundo eles, agrava dificuldades num momento particularmente difícil, como esse de crise mundial. Acho que é ameaçador também para a publicidade, porque ela teria que levar em conta coisas que hoje ela não leva e aí vai encontrar muitas dificuldades. Acho que é difícil para a comunicação, porque para colocar isso em foco permanentemente ela teria muitos conflitos com governos, empresas, com a publicidade. Acho que é ameaçadora para uma parte dos jornalistas, que para levar isso em consideração, e levar a sério, teriam que mudar a sua visão de mundo, não podem continuar com essa visão de que o meio ambiente é alguma coisa sem importância. Essas questões teriam que vir para o centro das discussões. E, no final das contas, acho que é ameaçador para qualquer cidadão, porque qualquer pessoa que começa a levar isso muito a sério, não apenas se preocupa, como se vê diante de questões muito difíceis de resolver. Por exemplo, eu já vi duas pesquisas do Instituto Gallup dizendo que dois terços dos habitantes da Grande São Paulo gostariam de se mudar de lá. Agora isso equivale a 12 milhões de pessoas. Mudar esse pessoal para onde, para fazer o quê? Basicamente esse desejo de mudança é por questões chamadas de ambientais: a poluição do ar, perda da qualidade de vida, o lixo, o transporte. Mas diante disso cada pessoa se pergunta o que fazer: “E o emprego da minha mulher?”; “E a escola das crianças?”; “E os meus amigos?” Então é uma questão ameaçadora para todo mundo, só que não há como fugir.
ANDA – Internacionamente parece que a gente já está tentando fazer parte dos debates, mas não existem pressões de outros países por posturas ambientais responsáveis. Como você percebe isso?
Washington Novaes – Acho que na área da convenção do clima as pressões são muito fortes. Isso porque, como as pressões são fortes em relações aos países industrializados, eles querem que os chamados emergentes assumam compromissos. O que eles dizem é que não têm sentido ações de alguns países se os primeiros emissores, como a China, a Índia e o Brasil, também não assumirem compromissos. Ainda mais considerando que nas próximas décadas o aumento das emissões vai acontecer principalmente nesses países emergentes. O aumento do consumo de energia também. Então nessa área as pressões são bastante claras. Em outras áreas as coisas estão ainda complicadas, como na área da Convenção da Biodiversidade.
ANDA – Qual sua proposta sobre questão da água nos alimentos, conscientização?
Washington Novaes – A questão da água, as pessoas não tem ideia do que é preciso. Eu, quando vou fazer palestras em escolas, em geral pergunto sobre a quantidade de água que as pessoas pensam que gastam. E elas respondem um copo ou quatro, um lembra do chuveiro, outro da descarga. E eu sempre lembro a eles que, se você comer um bife de carne de boi no almoço e um no jantar, equivalente a 200 gramas de carne, você vai estar usando três mil litros de água pelo menos. Se você somar isso aos outros usos na casa, o uso médio é de uns 200 litros por pessoa por dia, mais os usos fora de casa e tudo o que envolve a água; não vai ser exagero dizer que são quatro mil litros de água por pessoa ao dia. Há muitas alternativas, no dia a dia mesmo, até na questão do transporte. Mas ainda é difícil as pessoas perceberem.
fonte: anda
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