quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Caça está exterminando os elefantes africanos

Coleção de presas de elefantes mortos por caçadores ilegais e por causas naturais é reunida pelos soldados do Congo. (Foto: Tyler Hicks/The New York Times)
Em 30 anos de combate à caça, Paul Onvango nunca viu nada como isso. Vinte e dois elefantes mortos, incluindo vários filhotes, amontoados em uma savana, muitos mortos com uma única bala na cabeça.
Não havia rastros, nenhum sinal que os caçadores haviam esperado à espreita no chão. As presas foram retiradas, mas a carne não – e caçadores de subsistência sempre levam um pouco dela para a longa volta para casa.
Dias mais tarde, no início de abril, os guardas do Parque Nacional Garamba, no Congo, viram um helicóptero militar de Uganda voando baixo pela área, em um voo não autorizado, mas que abruptamente desviou de rumo quando foi visto. Funcionários do parque, cientistas e autoridades congolesas acreditam que o exército ugandense – um dos parceiros mais próximos dos Estados Unidos na África — foi o responsável pela morte dos 22 elefantes e levou consigo mais de um milhão de dólares (cerca de dois milhões de reais) em marfim.
“Foram tiros muito bem dados,” disse Onvango, o chefe dos guardas-florestais de Garamba. “Eles mataram inclusive os bebês. Por quê? Parece que eles vieram para destruir tudo.”
A África está enfrentando um massacre de elefantes de proporções épicas. Grupos conservacionistas dizem que caçadores estão exterminando dezenas de milhares de elefantes por ano, mais do que nas últimas duas décadas, com o comércio de marfim se tornando cada vez mais militarizado.
Como os diamantes sangrentos de Serra Leoa ou os minerais do Congo, o marfim parece ser o novo financiador das guerras africanas, retirado de zonas de batalha remotas, facilmente convertido em dinheiro e agora abastece conflitos pelo continente.
Alguns dos mais notórios grupos armados da África , como o Exército de Resistência do Senhor, o al-Shabab e os janiaweed de Darfur, estão caçando elefantes e usando suas presas para comprar armas e manter seu caos. Sindicatos de crime organizado estão se unindo a eles para transportar o marfim pelo mundo, explorando estados turbulentos, fronteiras falhas e oficiais corruptos da África Subsaariana até a China, dizem as autoridades.
A maioria do marfim – segundo especialistas, cerca de 70% — vai para a China. Embora os chineses cobicem o material há séculos, nunca antes tantos puderam pagar por objetos de marfim. O crescimento econômico chinês criou uma imensa classe média, que aumentou o preço do marfim para quase 2200 dólares por quilo nas ruas de Pequim.
A demanda por marfim cresceu tanto que atualmente as presas de um único elefante adulto podem valer mais de dez vezes a renda anual média per capita de vários países africanos.
“As grandes populações da África Ocidental já desapareceram, e aquelas no centro e no leste estão acabando rapidamente,” diz o ecologista Andrew Dobson, da Universidade de Princeton. “A questão é: você quer que seus filhos cresçam num mundo sem elefantes?”
Guardas florestais e soldados encontram carcaça de elefante vítima dos caçadores, numa parte remota do Parque Nacional de Gambara. (Foto: Tyler Hicks/The New York Times)
“Atiramos primeiro”
O Parque Nacional Garamba é um grande lençol verde de quase cinco mil quilômetros quadrados, no nordeste do Congo. É uma maré de grama alta, rios de água marrom, trechos de papiros e pássaros brancos e pretos voando pelo céu rosado. Fundado em 1938, Garamba é considerado um dos mais belos parques africanos, o sonho dos naturalistas.
Mas atualmente o Garamba é um campo de batalha, com uma corrida de armas acontecendo na savana. Todas as manhãs, pelotões dos 140 guardas florestais do parque se armam com rifles, metralhadoras e granadas. Luis Arranz, o gerente do parque, quer aviões teleguiados de vigilância e a organização sem fins lucrativos que cuida do parque está considerando a compra de óculos de visão noturna, coletes antibala e caminhonetes com metralhadoras.
“Não negociamos, não damos aviso, atiramos primeiro,” diz Onvango, que já trabalhou como guarda-caça no Quênia por mais de 20 anos. Ele perdeu seu emprego após um suspeito de caça morrer em sua custódia após ter sido açoitado.
Em junho, ele ouviu uma rajada de balas. Seus guardas buscaram por horas na grama, até rastejando no solo, até encontrar caçadores mutilando vários elefantes. No momento que seu grupo atirou nos caçadores, todo mato se acendeu.
Investigações posteriores mostraram que os caçadores eram membros do Exército de Resistência do Senhor (ESR), um grupo de rebeldes que circula na África central, matando aldeões e escravizando crianças. Tropas especiais americanas estão ajudando vários exércitos africanos a caçar o líder fantasma do grupo, Joseph Kony , que supostamente estaria se escondendo na República Africana Central.
O marfim pode ser o último salva-vidas de Kony.
Vários dissidentes do ERS disseram que Kony ordenou a matança de tantos elefantes quanto possível, e o envio de suas presas.
“Kony quer marfim,” disse uma jovem sequestrada no início do ano perto de Garamba, que não quis ser identificada por ainda estar traumatizada. “Eu ouvi os outros rebeldes dizerem muitas vezes: ‘Precisamos conseguir marfim e mandá-lo para Kony”.


Grupos de elefante no Parque Nacional Garamba, no Congo. (Foto: Tyler Hicks/The New York Times)
“Dinheiro fácil”
O lucro não é ignorado pelos soldados dos exércitos da África central, que muitas vezes recebem salários de 200 reais por mês, quando recebem algo.
Em Garamba, os guardas florestais já prenderam muitos soldados congoleses, às vezes com presas e pedaços de carne de elefante, e as boinas vermelhas usadas pela elite da guarda presidencial.
“Elementos de nosso exército estão envolvidos,” reconheceu o major Jean-Pierrot Mulaku, promotor militar. “É um dinheiro fácil”.
De acordo com um relatório de 2010 do cientista americano John Hart, um dos maiores especialistas em elefantes no Congo, “os militares congoleses estão implicados em quase todas as caças de elefantes”, fazendo do exército “ o maior perpetrador da matança de elefantes” no país.
Os guardas de Garamba e a inteligência militar do Congo dizem que eles também lutam rotineiramente contra soldados do Exército Popular de Libertação do Sudão (EPLS), o exército do Sudão do Sul . Um porta-voz do país negou o fato, dizendo que os soldados “não tinham tempo” para caçar.
Mas a caça por helicóptero é novidade.
O coronel Felix Kulayigye, porta-voz do exército ugandense, reconheceu que o helicóptero era um dos seus. Mas ele disse que a alegação de caça era um “boato sem fundamento” e que ele tinha certeza que o do Exército de Resistência do Senhor eram caçadores reconhecidos na região.
Em junho, 36 presas foram confiscadas no aeroporto Entebbe em Uganda. Dezoito dos 22 elefantes mortos em Garamba em março eram adultos que tiveram suas presas arrancadas, o que daria 36 presas. Os pequenos tocos de marfim dos filhotes mortos foram intocados.
A população total de elefantes na África é um mistério. A União Internacional para a Conservação da Natureza, uma rede global conservacionista, estima entre 472.269 a 689.671 indivíduos. Mas esta informação é de 2006. A caça aumentou drasticamente desde então, por todo o continente.
Alguns dos elefantes vitimados recentemente foram mutilados sexualmente, com seus genitais ou mamilos cortados, possivelmente para serem vendidos – algo inédito para os pesquisadores.
Como a guerra contra as drogas
Arranz, o diretor de Garamba, parece exausto. A história está contra ele. Garamba foi fundado há mais de 70 anos, em parte para proteger os raros rinocerontes brancos do norte, que já foram mais de mil na área. Mas muitos africanos acreditam que pó de chifre de rinoceronte cura câncer e outras doenças, e pode chegar a mais de 60 mil dólares por quilo , mais caro que ouro. Nas últimas décadas, enquanto o Congo mergulhava no caos, caçadores de rinoceronte entraram em Garamba. Os rinocerontes brancos dali eram os últimos em ambiente selvagem, mas os guardas não os veem há cinco anos.
Garamba tem um número grande de desafios, muitos ligados à falência estatal do Congo. Alguns dos guardas florestais fazem caça ilegal, matando os animais que eles são pagos para proteger, com a justificativa que seus salários são baixos demais para sua subsistência.
Os índices de caça estão em seu máximo na África central, um cinturão dos países mais problemáticos do mundo. No Chade, cavaleiros fortemente armados, reconhecidos como janjaweed pelos conservacionistas, mataram três mil elefantes em poucos anos.
Garamba já teve 20 mil elefantes. No ano passado, eles eram 2.800. Este ano, devem chegar a 2.400.
“É como a guerra contra as drogas,” diz Assanz. “ Se as pessoas continuam comprando marfim, é impossível impedir.”
Veja mais fotos aqui.
Fonte: Último Segundo

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