quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Lista internacional de animais em extinção revela biomas em perigo




Cebus kaapori, endêmico da região da Amazônia, corre risco crítico de extinção. De acordo com a pesquisadora Liza Veiga, do Museu Paraense Emílio Goeldi, a população da espécie foi reduzida em 80% ao longo das últimas três gerações, pouco menos de 50 anos (Foto: Marcelo Marcelino/ICMBio)
A tradicional lista de primatas mais ameaçados de extinção no mundo, divulgada bianualmente pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUNC, na sigla em inglês), em parceria com outras entidades, trouxe em 2012 duas espécies brasileiras, o bugio-marrom (Alouatta guariba guariba) e o macaco-caiarara (Cebus kaapori). A escolha, anunciada na última semana, avaliam os especialistas, visa colocar em destaque internacional a situação de perigo não só desses dois primatas, mas dos biomas (conjunto de tipos de vegetação que abrange grandes áreas contínuas, em escala regional, com flora e fauna similares: a Amazônia e a Mata Atlântica, por exemplo, são biomas) onde eles vivem.
O Cebus kaapori habita uma porção de floresta amazônica que se estende de Belém, no Pará, a São Luís, no Maranhão. O habitat do macaco, numa região conhecida por Centro de Endemismo Belém, onde começa o “arco do desmatamento”, convive com índices intensos de derrubada de matas. De acordo com a pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi (Belém), Liza Veiga, o Centro de Endemismo Belém, uma das mais antigas ocupações humanas na Amazônia, tem 67% de seu território desmatado. “Ele (Cebus kaapori) é talvez o primata mais ameaçado da Amazônia, situação causada principalmente pela drástica redução de seu habitat”, diz a pesquisadora. As matas remanescentes, bastante fragmentadas, estão em terra indígenas e em unidades de conservação, que vivem sob constante pressão humana.
Não se sabe ao certo quantos exemplares existem do macaco-caiarara. Liza calcula, no entanto, que a extração madeireira, a caça ou mesmo a derrubada seletiva de árvores tenha causado, ao longo das últimas três gerações – pouco menos de 50 anos –, uma drástica redução de 80% da população do animal. “Se o desmatamento continuar, há um alto risco de o kaapori desaparecer nos próximos 30 anos.”
Mata Atlântica
O outro integrante brasileiro do levantamento é o bugio-marrom (Alouatta guariba guariba). Essa espécie, de acordo com Leandro Jerusalinsky, coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação dos Primatas Brasileiros, foi escolhida por representar a perda da biodiversidade na Mata Atlântica, bioma que conta com somente 7% da sua cobertura original. “Hoje, cerca de 70% dos primatas que ocorrem na Mata Atlântica estão ameaçados”, afirma Jerusalinsky.
Com uma população remanescente de apenas 250 indivíduos, espalhada em menos de 10 localidades com ocorrência confirmada, o Alouatta guariba guariba provavelmente foi extirpado da Bahia, segundo o especialista. “E a Mata Atlântica no Nordeste é justamente a mais vulnerável.” Acredita-se que as comunidades do Alouatta guariba guariba se estendiam até o Recôncavo baiano, mas a caça e a perda de habitat provavelmente as extinguiram nas áreas mais ao norte de Mata Altântica. Hoje, a população do macaco se concentra no vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais.
Existe pelo menos uma dezena de primatas brasileiros que se encontram em situação de risco crítico, semelhante às duas espécies que figuram na lista deste ano da IUCN. O bugio-marrom e o macaco-caiarara ainda são pouco conhecidos e não contam com programas de proteção específicos. Espera-se que a visibilidade dada pela lista contribua para a elaboração de projetos de conservação.
Uma ilha em perigo
O país em situação mais crítica no levantamento, entretanto, está a mais de 10.000 quilômetros do Brasil. A ilha de Madagascar, que se descolou da África continental há 160 milhões de anos, conta com seis primatas em risco de desaparecer na lista da IUCN. O número é maior do que o de toda a África continental (cinco espécies) e só perde para a Ásia (nove).
Para se ter uma ideia do nível de ameaça de algumas espécies, o lêmure desportista-do-norte (Lepilemur septentrionalis), um dos animais malgaxes em situação mais ameaçada, conta com uma população estimada em apenas 19 indivíduos.
Russell Mittermeier é presidente da Conservação Internacional e do grupo de especialistas em primatas da IUCN. De um hotel em Hyderabad, cidade indiana onde aconteceu a Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas, Mittermeier explicou que os primatas de Madagascar sofrem com o intenso desmatamento de seu habitat. Como cerca de 90% da mata nativa do país foi derrubada, restou à população de primatas pouco mais de 60.000 quilômetros quadrados. “As pressões sobre as espécies são muito grandes”, avalia o biólogo.
A perda de biodiversidade na ilha preocupa os cientistas. Por ter se separado do continente há milhões de anos, praticamente 100% das espécies de primatas são endêmicas – ou seja, só existem ali. “Madagascar não pode ser comparado com nenhum lugar do mundo, é um caso de endemismo espetacular. Os animais malgaxes estão separados de outros primatas do planeta por muitos milhões de anos”, afirma o presidente da CI. A apreensão de Mittermeier só aumenta ao citar o atual quadro de instabilidade política no país. Um golpe militar em 2009 intensificou a atividade humana sobre as poucas matas remanescentes e interrompeu o financiamento internacional a projetos de preservação.
“A quase completa ausência de fiscalização de qualquer lei ambiental levou a um surto vertiginoso de desmatamento ilegal e de caça de lêmures em todo o país. Muitas áreas que antes estavam razoavelmente protegidas, agora se tornaram unidades de conservação apenas no papel”, diz Christoph Schwitzer, chefe de pesquisa da Bristol Conservation and Science Foundation, outra organização responsável por elaborar a lista. O país é o segundo com maior diversidade de primatas no mundo, atrás apenas do Brasil.
Fonte: Veja

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