segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Cães e gatos abandonados ganham chance em lares temporários

Voluntários tornam-se tutores por curtos períodos até que o animal se reabilite.
Animais deficientes ou idosos têm menos chance na hora da adoção.
Zandor tem 10 anos, é surdo, não tem parte de uma orelha, sofre com cataratas e precisa de um lar. Ele chegou a ser adotado, mas foi devolvido. Assim como ele, outras dezenas de animais não têm um tutor ou lar e vivem abrigados, temporariamente, com pessoas e famílias que destinam, solidariamente, um espaço, comida e, principalmente, cuidados e carinho.

Zandor tem 10 anos e espera por uma adoção (Foto: Jéssica Balbino/ G1)
Este é apenas um exemplo de lar temporário, também conhecido como lar transitório e tido como uma alternativa para reduzir o número de animais abandonados e desabrigados em Poços de Caldas (MG). Até encontrarem um cantinho definitivo, o destino de muitos cães e gatos resgatados nas ruas tem sido viver em um lar provisório. Como acontece com crianças e adolescentes, que esperam pela adoção em abrigos e casas de famílias temporárias, os bichos também são acolhidos por voluntários que assumem o papel de dono por um período.
Em Poços de Caldas, por meio da mobilização dos grupos Movimento de Defesa Animal Força nas Patinhas e Ação Movimento Animal (AMA), voluntários retiram cães e gatos das ruas livrando-os da indiferença ou dos maus-tratos.
A medida é necessária visto que o número de animais desabrigados é superior ao número de abrigos – públicos ou particulares – que existem na cidade. Atualmente o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) abriga 75 cães. O local, segundo a veterinária responsável, Cecília Boller Bissoli, tem capacidade para 120 animais. “O problema é que este número é muito instável, visto que todos os dias chegam e saem animais. As pessoas abandonam muito os bichos nas ruas”, conta.
Ainda de acordo com ela, há uma estimativa de que a cidade tenha pelo menos 22 mil animais, entre gatos e cachorros, com ou sem donos. “É um número também difícil de ser precisado. Temos essa estimativa, mas não há como saber com precisão”, frisa.
Para ajudar nas estatísticas, surge o lar temporário. A enfermeira Luíza Mary Dionísio de Brito, 28 anos, abriga, atualmente oito gatos e cinco cães, resgatados das ruas por ela mesma. O voluntariado é praticado por ela há muitos anos e somente em 2012 Luíza já acolheu e encaminhou para adoção 50 animais.
“É algo que me faz muito feliz. Eu gosto de ajudar o próximo, até por isso escolhi ser enfermeira e sempre gostei de bicho, então saber que eu estou ajudando me faz um bem maior ainda”, acredita.
Histórias comoventes: cães e gatos doentes ou idosos demoram a ser adotados
Entre os animais que abriga atualmente, Luíza destaca a história de Billy. O cão de dois anos está com ela há meses e, apesar de fisicamente estar bem, não se libertou dos maus-tratos sofridos com o antigo tutor. “Ele não abana o rabo e não se aproxima das pessoas. Esse comportamento é porque ele era espancado na casa onde vivia”, relata.

Juca está no lar temporário há um ano (Foto: Jéssica Balbino/ G1)
Até se adaptar, o cachorro continua com os que Luíza já tinha e com os outros que estão em lar temporário, como é o caso de Juca, que há um ano espera por uma adoção. “Ele foi atropelado, fez uma cirurgia, mas ficou com uma das patas encurtadas. Por conta disso, é mais difícil conseguir um lar para ele”, acredita a enfermeira, que faz um paralelo com a dificuldade na adoção de crianças. “Não existem animais perfeitos, assim como não existem pessoas perfeitas. O que existe é o amor que podemos dar e receber, que é incondicional”, dispara.
Prova disso é que ela adotou Clara, uma gata de pouco mais de um ano, que tem uma cegueira congênita, e nem mesmo uma cirurgia, paga por Luíza, resolveu. “Eu achei ela em uma avenida.
Uma pessoa pegou ela na rua, mas não podia cuidar e me ligou. Fui até lá, busquei e como não consegui adoção para ela, justamente por conta da cegueira, eu a castrei e adotei”, conta.
A gata não poderia estar melhor. Dispõe de brinquedos – bolinhas sonoras, para jogar e se localizar pelo som, uma vez que não enxerga – e um afiador de unhas em formato de árvore, onde ela pode subir e brincar.

Gata encontrada na rua com cinco filhotes amamenta outros dois (Foto: Jéssica Balbino/ G1)
Além de Clara, outros oito gatos estão em um cômodo da casa de Luíza. Dois foram resgatados há poucos dias, abandonados ainda filhotes, e são tratados com um suplemento alimentício feito com leite em pó, água, creme de leite, ovo e vitaminas para gatos, dado em uma mamadeira improvisada.
Os outros gatos foram abandonados próximo da casa de Luíza e ela os pegou. Trata-se da mãe e cinco filhotes. “É interessante que ela chegou aqui, com os filhotes dela, mas adotou os dois que eu já estavam na casa. Agora ela amamenta sete filhotes”, relata.

A gata Clara foi adotada definitivamente por Luíza; O cão Bob ainda aguarda um lar (Foto: Jéssica Balbino/ G1)
O amor de Luíza pelos animais é externado até mesmo na pele. No pé e na mão ela traz pequenas patas de cães tatuadas e na perna um gato preto. “Eu sempre gostei e sempre tive bicho. Quando saí da casa da minha mãe e pude ter meu espaço é que aderi à ideia do lar temporário, que não pretendo abandonar. Vou fazer isso enquanto eu tiver condições”, destaca.
Ela conta também que para manter o lar temporário em funcionamento, abre mão de muita coisa. Um exemplo são as viagens, que ela não faz, por não ter com quem deixar os animais, e também por não querer ficar longe deles.
Outro desafio é equilibrar os horários de trabalho com as necessidades. “Antes de ir para o trabalho, eu cuido deles. Todos os dias, na hora do almoço, volto e também os alimento e vejo como estão e quando saio do trabalho é a mesma coisa, venho correndo para casa. Quando não tenho alternativas, e preciso viajar a trabalho, peço a alguém do grupo ou a uma vizinha de confiança para que cuide deles”, relata.
Mais lares temporários
Quem também é voluntária nos lares temporários é a artesã Angélica Ramos Couto. Atualmente ela abriga apenas um animal, mas já perdeu as contas de quantos passaram pela casa onde ela vive.
A gata Cristina, que tem este nome porque foi resgatada no Cristo Redentor de Poços de Caldas, está pronta para ser adotada, apesar de não conseguir andar direito, por ter sido vítima de maus-tratos. “Quando me trouxeram ela, me contaram que ela foi machucada por um turista, que visitava o local e a chutou. Estou cuidando, mas ela não anda direito, com a coluna machucada”, conta.

Cristina foi encontrada no Cristo Redentor de Poços, vítima de maus-tratos (Foto: Jéssica Balbino/ G1)
A principal maneira encontrada por Angélica para ajudar é pelas redes sociais, onde ela uniu-se aos grupos de defesa e quando soube que precisavam de lares para os bichos, cedeu o espaço. “Eu gosto de ajudar. Sempre gostei de animais e acho fundamental que existam os lares temporários, porque se não cuidarmos, para onde os animais vão? Não tenho coragem de deixá-los vagando pelas ruas, passando fome e frio”, diz.
Assim como Luíza, Angélica já adotou animais que passaram pela casa dela no lar temporário. “Alguns pegamos amor e como a adoção é difícil, vamos cuidando e quando vemos eles já moram com a gente e não tem como ficar longe”, frisa.
No entanto, ela acredita que toda ajuda é bem-vinda. “Mesmo que as pessoas não possam adotar de vez, mas que possam hospedar os bichos já é de grande valia. O objetivo do lar temporário é esse”, acredita.
Lares necessários
“Os lares temporários são fundamentais no combate ao abandono de animais”, resume a fisioterapeuta Andrea Michels Alcântara, presidente do AMA em Poços de Caldas. De acordo com ela, a disseminação da ideia do Lar Temporário é importante, visto que esta é uma alternativa já usada há algum tempo por associações de proteção.
“Quando começamos com o grupo, não tínhamos abrigos para os animais. Poços dispõe apenas do CCZ, mas a maior parte das cidades realmente não tem abrigos, então, o lar temporário nos dá um tempo para atuar com calma e cautela, cuidando de cada caso, fazendo tudo bem feito”, destaca.
Ela explica também que os voluntários para os lares surgem dentro dos grupos e que nada é forçado. “Nós agimos de acordo com a casa e a disponibilidade da pessoa. Algumas podem abrigar apenas um animal por vez, outras podem abrigar mais, por mais tempo, e gradativamente, vamos adequando e tentamos atender todos eles”, diz.
Com os grupos e a popularização dos lares, as idas ao veterinário, a compra de medicação, vermífugo e ração se tornam mais fácil, visto que algumas ações, como brechós, dias de adoção, entre outras, têm a renda revertida para os gastos com os animais abandonados.
Lares temporários são o caminho para atender as necessidades de animais que passam por problemas, como filhotes órfãos, que precisam de atenção especial como alimentação, aquecimento e higiene.
Animais com necessidades especiais, em recuperação de cirurgias, doença ou ferimento, cegos, surdos, traumatizados ou vítimas de abuso são algumas das situações que requerem atenção extra, medicação e reabilitação física e comportamental.
Assim que o animal está reabilitado, no caso de bichos já adultos, eles são castrados e liberados para adoção, que é divulgada pelas redes sociais, como o Facebook, por e-mail, pastas com fotografias deixadas nos petshops e também nos Dias de Adoção.
Quando um animal é adotado, o novo dono preenche um termo de adoção e passa por uma entrevista, onde responde perguntas simples, sobre o que faria se o cão comesse roupas e objetos, se ficasse doente, se fizesse arte, entre outras. A adoção é acompanhada pelo grupo durante alguns meses. “A pessoa passa por um período de adaptação, em que fazemos o acompanhamento a fim de evitar maus-tratos ou a devolução do animal, que pode ser traumática”, frisa.
Serviço
Quem quiser adotar um dos animais abrigados em lares temporários pode entrar em contato diretamente com os grupos AMA (35) 9168-5011 ou ‘Força nas Patinhas’ (35) 8816- 6808
Fonte: G1

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