Por Luisa Bastos e Ricardo Coelho (da Redação – Portugal)
Acabou no domingo a Conferência Internacional de Direitos dos Animais, um evento que juntou centenas de ativistas de dezenas de países no Luxemburgo. Vários temas de interesse foram abordados nos debates e oficinas que decorreram durante estes dias. Foram tempos intensos de discussão e troca de experiência, intermediados pelas necessárias refeições veganas e os não menos necessários momentos de convívio.
Fazer um resumo extensivo de tudo o que foi dito nesta conferência seria um trabalho impossível para a representação do NOA presente, pelo que optamos antes por escolher alguns dos temas abordados nas apresentações.
O sacrifício de animais no altar da ciência
Silke Bitz, da Médicos Contra a Experimentação Animal da Alemanha, apresentou a farsa por detrás da experimentação animal.
Só na União Europeia, mais de 12 milhões de animais são usados e mortos na experimentação animal. Estes animais são usados com os objetivos de testar a segurança de fármacos e outros químicos e tentar encontrar novos tratamentos para doenças humanas. No entanto, devido a diferenças anatómicas, fisiológicas, metabólicas e na reação a químicos e fármacos, a extrapolação dos resultados da experimentação animal para humanos é arriscada. Muitos exemplos foram dados de substâncias que são nocivas para alguns animais e não para humanos, que são nocivas para humanos mas não para outras espécies e que causam malformações em muitas espécies, incluindo a humana, mas não em coelhos ou em macacos.
Só na Alemanha, das 210.000 entradas anuais nos hospitais, 60.000 mortes ocorrem devido a efeitos secundários indesejados de fármacos.
Silke Bitz apresentou também a farsa da metodologia de mimetizar doenças humanas em outras espécies de animais e mostrou técnicas que podem ser utilizadas e desenvolvidas para uma ciência médica baseada no estudo do ser humano.
Por fim, a médica e cientista alertou-nos para a necessidade de uma mudança de paradigma na ciência médica, no sentido da prevenção de doenças através da promoção de estilos de vida mais saudáveis.
Ainda dentro do tema da vivisecção, o ativista Tino Verducci apresentou a campanha “Salvemos os cães da Green Hill”, que tem somado vitórias na luta contra este centro de criação de beagles para uso em experimentação animal. A campanha iniciou-se em 2010 e teve como momentos altos as invasões da Green Hill, em que ativistas se colocaram no telhado das instalações, dando entrevistas para a comunicação social enquanto se ouviam os latidos dos cães aprisionados.
A 28 de abril deste ano, a campanha atingiu o seu cume com uma manifestação em frente à Green Hill em que se juntaram mais de mil pessoas. De forma espontânea, as pessoas decidiram invadir o biotério e libertar dezenas de cães. As imagens de cães a passar por cima do arame farpado, apoiados em dezenas de mãos, correram o mundo e ficaram como um símbolo da luta pela libertação animal.
Com toda a polémica que foi possível gerar em torno da experimentação animal a partir desta campanha, a causa anti-vivisecção cresceu a olhos vistos, com dez mil pessoas a manifestarem-se em Roma e milhares de outras no resto do país. A libertação dos cães iniciou um processo de desmantelamento da Green Hill, tendo as instalações entretanto sido encerradas devido a irregularidades e os restantes cães sido dados para adoção. A luta ainda não acabou, contudo, dado que a Green Hill pode ainda reabrir e que ainda há outros biotérios no país.
Veganismo vs carnismo
O tema do veganismo como ideologia e sistema de crenças foi abordado primeiramente por Jeanette Rowley, doutoranda em Direito na Universidade de Lancaster e fundadora do grupo Vegan Equality. Rowley apontou que as declarações da ONU e da União Europeia sobre direitos humanos prevêem o direito de manifestarmos publicamente as nossas crenças, religiosas ou não, assim como o direito dos pais educarem as suas crianças de acordo com as suas convicções religiosas ou filosóficas. O desafio está, então, em forçar o sistema legal a reconhecer que o veganismo é uma ideologia, oposta ao carnismo, e que, nesse sentido, devem ser desenvolvidos mecanismos legais para prevenir a discriminação dos/as veganos/as.
Segundo a corrente lei, o veganismo deveria ser protegido enquanto sistema de crenças. No entanto, assinala Rowley, ainda não há opções veganas nas prisões e são raros os locais de trabalho com cozinha onde comida vegana esteja disponível. Nesse sentido, é fulcral defender os direitos dos veganos, pela via legal e através de campanhas que criem a pressão para que a palavra “vegana” entre na lei.
A conferência contou ainda com duas apresentações de Melanie Joy, psicóloga social, autora do livro “Why We Love Dogs, Eat Pigs, and Wear Cows” e fundadora da Carnism Awareness and Action Network (CAAN). Joy falou sobre a psicologia de comer animais e sobre o empoderamento pessoal e político.
A nossa resposta usual a atrocidades é apagá-las da consciência. Melanie Joy explica-nos como o nosso sistema de crença é construído e solidificado no contexto social em que nascemos e crescemos. Explica também como essas crenças afetam a nossa perceção do mundo, as nossas emoções e, por último, o nosso comportamento. A CAAN explica como é que a indústria animal é apenas possível através de uma ideologia opressora e, necessariamente, violenta e, portanto, veganismo versus carnismo é uma questão de justiça social. Aqui é possível ver uma gravação da apresentação.
Existem dois tipos de defesas que emergem quando a ideologia dominante é posta em causa. Uma são as defesas primárias que falam não verdades sobre a ideologia dominante (ex. carnismo). Outra são as defesas secundárias que falam não verdades acerca da ideologia que põe em causa a dominante (ex. veganismo).
O aumento que observamos nas defesas secundárias são um sinal do sucesso da ideologia vegana sobre a ideologia carnista. Um outro sinal de sucesso é o facto da indústria carnista já não conseguir fazer passar por verdades as suas defesas primárias. Tal está a levar à transição do carnismo ao neocarnismo. No neocarnismo temos conceitos como carnismo compassivo, ecocarnismo ou biocarnismo.
Para o/a ativista vegano/a é importante não interiorizar as defesas dos/as carnistas e ter consciência de que o reforço das defesas do carnismo e o neocarnismo são respostas ao sucesso do veganismo. Outro cuidado essencial de quem luta contra qualquer tipo de violência é evitar a sobre-exposição à violência para evitar stress traumático secundário – não como vitima direta, mas como testemunha da violência. Se tiver pesadelos, se lhe vierem imagens chocantes à mente sem qualquer motivo aparente, pare de se expor à violência. Um(a) vegano/a saudável é um(a) vegano/a eficiente!
Por fim, Joy deixou-nos com a importância do veganismo proativo em vez do veganismo reativo.
No veganismo reativo, a pessoa vegana interioriza o carnismo; interioriza a sua opressão, onde as suas necessidades são menos válidas e importantes que as da pessoa carnista; ou interioriza o privilegio; interioriza a vergonha, sentindo-se menos do que os outros; ou a grandiosidade perante a carnista. No veganismo proativo, a pessoa vegana age com curiosidade perante a pessoa carnista, querendo conhecer as suas opiniões; age com compaixão, respeitando o lugar onde cada pessoa está a cada momento; e com orgulho por ter chegado onde está.
Porque a maior mentira de todas é que as pessoas não se importam, devemos sempre respeitá-las, exigindo também o mesmo respeito.
Mídia e direitos dos animais
A apresentação deste tema coube à ANDA – Agência de Notícias de Direitos dos Animais. Desde a sua formação, em 2008, a imprensa brasileira tem dado muito mais atenção ao tema dos Direitos dos Animais. Neste site de notícias encontram-se diversos temas, como cultura, desporto e economia, sempre na perspetiva dos direitos dos animais.
Nestes anos a ANDA conseguiu que três estilistas banissem as peles das suas coleções; que alguns deputados revisem as suas propostas de lei, depois da ANDA publicar algumas notícias sobre os circos e animais abandonados; que o principal jornal do Brasil reproduzisse na primeira página uma notícia da ANDA sobre um caso de maus tratos a gatos/as.
Esta agência já tem mais de 20.000 visitas por dia, 40 colunistas e é visitado por mais de 80 países. Em Portugal, já 2.000 pessoas visitam diariamente este site. Para além de notícias, a ANDA está a lançar dois livros e um jogo de vídeo.
O preço da eficácia: repressão e perseguição policial
A partir do momento em que começam a tornar-se uma séria ameaça para os grupos de interesse que vivem da exploração animal, os movimentos de direitos dos animais correm o risco de serem criminalizados e alvo de repressão policial. É um erro pensar que isto apenas acontece com grupos que recorrem à destruição de propriedade e outros métodos de ação direta, como a Animal Liberation Front. Os casos espanhol e austríaco demonstram como qualquer grupo de defesa dos animais pode ser rotulado como violento por governos influenciados pelas indústrias da carne e da vivisecção, independentemente das táticas escolhidas.
O caso austríaco foi apresentado com a exibição do filme “Der Prozess”, que relata a prisão de 10 ativistas pelos direitos dos animais. A detenção seguiu-se ao raide policial de 21 de maio, quando casas de ativistas e sedes de movimentos foram invadidos pela polícia e material de campanha apreendido. No processo que se seguiu, foi revelado que os/as ativistas estavam a ser vigiados há muito tempo, através de escutas telefónicas e polícias infiltrados no movimento.
O processo foi revelador da extensão da perseguição política em causa, na medida em que foram apresentadas provas falsas de crimes, incluindo um comunicado reclamando a autoria de um ato de incendiarismo que nem sequer tinha acontecido na realidade. Finalmente, ao fim de 110 dias na prisão, os/as 10 ativistas foram todos libertados, sem que qualquer acusação tivesse sido feita.
Uma situação semelhante ocorreu em Espanha recentemente, explicou Sharon Nuñes, da Igualdad Animal. A 22 de junho deste ano, a casa de Nuñes foi revistada e ela foi presa, conjuntamente com 11 outros/as ativistas da Igualdad Animal e da Equanimal. Centenas de polícias foram mobilizados e entraram nas casas fortemente armados e com a cara tapada.
Os ativistas detidos foram levados para diferentes prisões, onde ficaram incomunicáveis durante três dias. Depois de uma greve de fome, os/as ativistas foram levados a tribunal e três ficaram em prisão preventiva. Apenas a 13 de julho estes saíram em liberdade, depois de um recurso em tribunal.
Até hoje, os/as acusados/as continuam sem saber ao certo quais são as acusações pelas quais terão de responder. Sabem apenas que terão a ver parcialmente com um resgate de martas destinadas à produção de peles, não relacionado de todo com as organizações visadas. Outras acusações incluem invasão de propriedade privada e desordem pública, relacionadas com as ações de desobediência civil pacíficas levadas a cabo pelos movimentos, como o resgate de animais e a invasão de passereles durante desfiles de moda com peles.
Durante os últimos meses, a comunicação social e o juiz responsável pelo caso por várias vezes apelidaram os ativistas como “ecoterroristas”, criminalizando desta forma todo o movimento pelos direitos dos animais. Este caso mostra a necessidade de defender a legitimidade desta luta, e foi com este fim que foi criada a campanha Unidos Contra la Repressión del Movimiento de Derechos Animales.
Violência e educação especista
Romina Kachanoski, mestre em Psicologia Social pela Universidade Autónoma de Barcelona, mostrou-nos como a visão antropocêntrica do mundo conduz ao especídio – o sistemático extermínio ou remoção de todos ou parte dos animais, porque pertencem a uma espécie diferente. Falou-nos também de dois tipos de violência que infligimos a outras espécies de animais: direta e indireta.
Exemplos de violência direta são a violência física, psicológica, espacial, linchamento e nefligência. Já violência indireta é aquela que é colateral, estrutural ou discursiva.
Os exemplos de violência e especídio mostrados deixaram toda a audiência num carregado silêncio.
Samuel Guerrero, professor primário no País Basco, Estado Espanhol, falou sobre a educação especista. Na sua escola, Guerrero tem tentado combater o especismo que invariavelmente se encontra como normativo nos materiais de educação, em jogos, histórias e canções infantis.
Não só a escola, mas também a família, a sociedade e os medias são meios pelos quais interiorizamos o especismo. Quando deixamos de ver, ouvir e pensar pela lógica especista, somos levados/as ao veganismo.
Dia 5 de Junho é o dia contra o especismo. Vamos celebrá-lo.
O debate estratégico
O debate sobre estratégias a seguir na defesa dos direitos dos animais arrancou com uma apresentação de Jan-Harm de Villiers, filósofo da Universidade da África do Sul, sobre a teoria dos direitos dos animais. Para o filósofo, a defesa de direitos dos animais baseada em comparações com o ser humano é inconsisente e paradoxal.
De Villers salientou como é comum encontrar no discurso sobre direitos dos animais a distinção entre humanos e animais, criando uma separação entre um animal (o ser humano) e os outros que é artificial e antropocêntrica. Não menos antropocêntrica é a ideia de que os animais devem ter direitos com base em traços comuns com os humanos, como a capacidade de sofrer ou a racionalidade, conforme é defendido pelo filósofo Peter Singer ou pelo jurista Gary Francione.
Esta ideia apresente dois grandes problemas. O primeiro é que a similaridade entre humanos e alguns animais não é algo que possa ser estabelecido objetivamente, pelo que qualquer argumento a favor dos direitos dos animais feito nessa base será questionável. O segundo é que argumento dado para dar direitos a alguns animais também pode ser dado para negar direitos a outros animais. Assim, o ativismo baseado nesta abordagem pode conseguir algumas reformas que melhoram o bem-estar dos animais, mas apenas à custa de tornar mais difícil conquistas posteriores.
Mesmo o argumento da senciência como base para a atribuição de direitos não está livre de problemas, salientou de Villiers. Por um lado, porque os animais sofrem todos de forma diferente e há diferenças qualitativas que são ignoradas ou menosprezadas pela abordagem utilitarista de Singer. Por outro, porque a comprovação do sofrimento animal é feita mediante experiências dolorosas em animais, as quais, para mais, são sempre inconclusivas nos termos definidos pelos cientistas e acabam por perpetuar a mentalidade que pretendemos abolir.
O tema da violência na luta pelos direitos dos animais foi abordado por Elizabeth deCoux, jurista na Florida Coastal School of Law, EUA. A jurista começou por explicar que o termo violência, nos sistemas legais norte-americano e europeu, estende-se a crimes contra a propriedade. Isto implica que é possível categorizar uma ação de resgate de animais ou de invasão de laboratórios para captação de imagens como sendo violenta.
A semântica é neste caso altamente relevante, já que a palavra “violência” é entendida no senso comum como designando a agressão de pessoas. Consequentemente, quando ativistas de direitos dos animais são julgados por terem invadido propriedade privada, o que passa para a comunicação social é a ideia de que foram responsáveis por um ato de violência, e daí decorre a colagem do adjetivo “terrorista” aos animalistas.
Esta banalização do termo “violência” permite dois grandes ganhos para os exploradores de animais. De um lado, permite descrever todo o ato de exposição da verdade (como colocar na internet um vídeo de um laboratório onde se fazem experiências em animais) como sendo violento. Do outro, permite que os exploradores sejam vistos como vítimas e que os ativistas que recorrem a meios extra-legais para impedir atos de agressão sejam vistos como agressores.
DeCoux deixou ainda uma sugestão para o movimento, acerca de recursos legais a usar em julgamentos por ações de desobediência civil. O argumento do “mal menor”, presente na doutrina legal em todo o mundo, que determina a legalidade de um ato considerado ilegal quando está em causa prevenir um mal maior. A jurista, contudo, alertou para o facto de este argumento nunca ter sido usado com sucesso num julgamento quando estão em causa agressões a animais.
Finalmente, Brendan McNally, veterano do ativismo pelos direitos dos animais e pelo veganismo, apresentou uma palestra dedicada à conciliação do ativismo com a vida no dia a dia. McNally frisou a importância de aprender a lidar da melhor forma com as pressões com que ativistas se deparam, da parte da sociedade, da família, dos empregadores, da comunicação social e dos governos.
O equilíbrio entre ativismo e a rotina diária é indispensável para manter a sanidade mental e a capacidade de raciocínio necessárias para ser um/a bom/boa ativista. Aceitar que não é possível mudar toda a gente, encontrar momentos de felicidade no meio da tragédia presenciada com a exploração animal, valorizar todas as pequenas vitórias, dormir e comer bem e viver uma vida saudável, tudo isto faz parte do ativismo, não devendo ser visto como um empecilho.
A ascensão e a queda do império humano e a guerra aos animais
A conferência contou com duas apresentações do filósofo Steve Best, um dos mais famosos autores sobre direitos dos animais da atualidade. O professor da Universidade de El Paso, EUA, começou por falar sobre a evolução da espécie humana.
Depois de levar à extinção todos os outros homos, o homo sapiens começou a extinguir outras espécies de animais por onde passava. Nesta apresentação, Steve Best designou a invenção da seta como um ponto de viragem na história do ser humano, por ter facilitado a morte de outros animais. De forma muito sucinta, Steve mostra que a agricultura sedentária leva à produção de excessos, o que permite uma organização social diferente de onde surgem as primeiras desigualdades e o patriarcado. Desta forma ele estabelece que o especismo e o patriarcado emergem muito antes das classes sociais. Com isto, alerta-nos para facto de que uma sociedade sem classes não é uma sociedade livre do patriarcado e do especismo.
Seteve Best anunciou a morte da natureza: desde o ar que respiramos, à maçã que comemos, tudo já foi alterado pelo ser humano. Já nada é “natural”.
Apesar de cético em relação à natureza humana que considera violenta, Best afirma que o que pode começar a mudar o mundo num bom sentido é o fim das privatizações e do consumismo de que estão a ser alvo as sociedades dos últimos tempos.
Já no que toca às estratégias para lutar contra a guerra aberta que os humanos impõe aos animais, Best apelou a uma abertura pragmática, que tenha em conta o contexto político e social e que seja plural nas suas táticas. Nesse sentido, o filósofo opõe-se às correntes pacifistas, por serem exclusivas quanto às táticas que são admissíveis no movimento.
Uma aposta ganha
A Conferência Internacional sobre Direitos dos Animais foi claramente uma aposta ganha por parte das organizações que a conseguiram concretizar pela segunda vez. Oportunidades para trocar experiências, aprender e discutir ideias são sempre valiosas.
fonte: .anda
Acabou no domingo a Conferência Internacional de Direitos dos Animais, um evento que juntou centenas de ativistas de dezenas de países no Luxemburgo. Vários temas de interesse foram abordados nos debates e oficinas que decorreram durante estes dias. Foram tempos intensos de discussão e troca de experiência, intermediados pelas necessárias refeições veganas e os não menos necessários momentos de convívio.
Fazer um resumo extensivo de tudo o que foi dito nesta conferência seria um trabalho impossível para a representação do NOA presente, pelo que optamos antes por escolher alguns dos temas abordados nas apresentações.
O sacrifício de animais no altar da ciência
Silke Bitz, da Médicos Contra a Experimentação Animal da Alemanha, apresentou a farsa por detrás da experimentação animal.
Só na União Europeia, mais de 12 milhões de animais são usados e mortos na experimentação animal. Estes animais são usados com os objetivos de testar a segurança de fármacos e outros químicos e tentar encontrar novos tratamentos para doenças humanas. No entanto, devido a diferenças anatómicas, fisiológicas, metabólicas e na reação a químicos e fármacos, a extrapolação dos resultados da experimentação animal para humanos é arriscada. Muitos exemplos foram dados de substâncias que são nocivas para alguns animais e não para humanos, que são nocivas para humanos mas não para outras espécies e que causam malformações em muitas espécies, incluindo a humana, mas não em coelhos ou em macacos.
Só na Alemanha, das 210.000 entradas anuais nos hospitais, 60.000 mortes ocorrem devido a efeitos secundários indesejados de fármacos.
Silke Bitz apresentou também a farsa da metodologia de mimetizar doenças humanas em outras espécies de animais e mostrou técnicas que podem ser utilizadas e desenvolvidas para uma ciência médica baseada no estudo do ser humano.
Por fim, a médica e cientista alertou-nos para a necessidade de uma mudança de paradigma na ciência médica, no sentido da prevenção de doenças através da promoção de estilos de vida mais saudáveis.
Ainda dentro do tema da vivisecção, o ativista Tino Verducci apresentou a campanha “Salvemos os cães da Green Hill”, que tem somado vitórias na luta contra este centro de criação de beagles para uso em experimentação animal. A campanha iniciou-se em 2010 e teve como momentos altos as invasões da Green Hill, em que ativistas se colocaram no telhado das instalações, dando entrevistas para a comunicação social enquanto se ouviam os latidos dos cães aprisionados.
A 28 de abril deste ano, a campanha atingiu o seu cume com uma manifestação em frente à Green Hill em que se juntaram mais de mil pessoas. De forma espontânea, as pessoas decidiram invadir o biotério e libertar dezenas de cães. As imagens de cães a passar por cima do arame farpado, apoiados em dezenas de mãos, correram o mundo e ficaram como um símbolo da luta pela libertação animal.
Com toda a polémica que foi possível gerar em torno da experimentação animal a partir desta campanha, a causa anti-vivisecção cresceu a olhos vistos, com dez mil pessoas a manifestarem-se em Roma e milhares de outras no resto do país. A libertação dos cães iniciou um processo de desmantelamento da Green Hill, tendo as instalações entretanto sido encerradas devido a irregularidades e os restantes cães sido dados para adoção. A luta ainda não acabou, contudo, dado que a Green Hill pode ainda reabrir e que ainda há outros biotérios no país.
Veganismo vs carnismo
O tema do veganismo como ideologia e sistema de crenças foi abordado primeiramente por Jeanette Rowley, doutoranda em Direito na Universidade de Lancaster e fundadora do grupo Vegan Equality. Rowley apontou que as declarações da ONU e da União Europeia sobre direitos humanos prevêem o direito de manifestarmos publicamente as nossas crenças, religiosas ou não, assim como o direito dos pais educarem as suas crianças de acordo com as suas convicções religiosas ou filosóficas. O desafio está, então, em forçar o sistema legal a reconhecer que o veganismo é uma ideologia, oposta ao carnismo, e que, nesse sentido, devem ser desenvolvidos mecanismos legais para prevenir a discriminação dos/as veganos/as.
Segundo a corrente lei, o veganismo deveria ser protegido enquanto sistema de crenças. No entanto, assinala Rowley, ainda não há opções veganas nas prisões e são raros os locais de trabalho com cozinha onde comida vegana esteja disponível. Nesse sentido, é fulcral defender os direitos dos veganos, pela via legal e através de campanhas que criem a pressão para que a palavra “vegana” entre na lei.
A conferência contou ainda com duas apresentações de Melanie Joy, psicóloga social, autora do livro “Why We Love Dogs, Eat Pigs, and Wear Cows” e fundadora da Carnism Awareness and Action Network (CAAN). Joy falou sobre a psicologia de comer animais e sobre o empoderamento pessoal e político.
A nossa resposta usual a atrocidades é apagá-las da consciência. Melanie Joy explica-nos como o nosso sistema de crença é construído e solidificado no contexto social em que nascemos e crescemos. Explica também como essas crenças afetam a nossa perceção do mundo, as nossas emoções e, por último, o nosso comportamento. A CAAN explica como é que a indústria animal é apenas possível através de uma ideologia opressora e, necessariamente, violenta e, portanto, veganismo versus carnismo é uma questão de justiça social. Aqui é possível ver uma gravação da apresentação.
Existem dois tipos de defesas que emergem quando a ideologia dominante é posta em causa. Uma são as defesas primárias que falam não verdades sobre a ideologia dominante (ex. carnismo). Outra são as defesas secundárias que falam não verdades acerca da ideologia que põe em causa a dominante (ex. veganismo).
O aumento que observamos nas defesas secundárias são um sinal do sucesso da ideologia vegana sobre a ideologia carnista. Um outro sinal de sucesso é o facto da indústria carnista já não conseguir fazer passar por verdades as suas defesas primárias. Tal está a levar à transição do carnismo ao neocarnismo. No neocarnismo temos conceitos como carnismo compassivo, ecocarnismo ou biocarnismo.
Para o/a ativista vegano/a é importante não interiorizar as defesas dos/as carnistas e ter consciência de que o reforço das defesas do carnismo e o neocarnismo são respostas ao sucesso do veganismo. Outro cuidado essencial de quem luta contra qualquer tipo de violência é evitar a sobre-exposição à violência para evitar stress traumático secundário – não como vitima direta, mas como testemunha da violência. Se tiver pesadelos, se lhe vierem imagens chocantes à mente sem qualquer motivo aparente, pare de se expor à violência. Um(a) vegano/a saudável é um(a) vegano/a eficiente!
Por fim, Joy deixou-nos com a importância do veganismo proativo em vez do veganismo reativo.
No veganismo reativo, a pessoa vegana interioriza o carnismo; interioriza a sua opressão, onde as suas necessidades são menos válidas e importantes que as da pessoa carnista; ou interioriza o privilegio; interioriza a vergonha, sentindo-se menos do que os outros; ou a grandiosidade perante a carnista. No veganismo proativo, a pessoa vegana age com curiosidade perante a pessoa carnista, querendo conhecer as suas opiniões; age com compaixão, respeitando o lugar onde cada pessoa está a cada momento; e com orgulho por ter chegado onde está.
Porque a maior mentira de todas é que as pessoas não se importam, devemos sempre respeitá-las, exigindo também o mesmo respeito.
Mídia e direitos dos animais
A apresentação deste tema coube à ANDA – Agência de Notícias de Direitos dos Animais. Desde a sua formação, em 2008, a imprensa brasileira tem dado muito mais atenção ao tema dos Direitos dos Animais. Neste site de notícias encontram-se diversos temas, como cultura, desporto e economia, sempre na perspetiva dos direitos dos animais.
Nestes anos a ANDA conseguiu que três estilistas banissem as peles das suas coleções; que alguns deputados revisem as suas propostas de lei, depois da ANDA publicar algumas notícias sobre os circos e animais abandonados; que o principal jornal do Brasil reproduzisse na primeira página uma notícia da ANDA sobre um caso de maus tratos a gatos/as.
Esta agência já tem mais de 20.000 visitas por dia, 40 colunistas e é visitado por mais de 80 países. Em Portugal, já 2.000 pessoas visitam diariamente este site. Para além de notícias, a ANDA está a lançar dois livros e um jogo de vídeo.
O preço da eficácia: repressão e perseguição policial
A partir do momento em que começam a tornar-se uma séria ameaça para os grupos de interesse que vivem da exploração animal, os movimentos de direitos dos animais correm o risco de serem criminalizados e alvo de repressão policial. É um erro pensar que isto apenas acontece com grupos que recorrem à destruição de propriedade e outros métodos de ação direta, como a Animal Liberation Front. Os casos espanhol e austríaco demonstram como qualquer grupo de defesa dos animais pode ser rotulado como violento por governos influenciados pelas indústrias da carne e da vivisecção, independentemente das táticas escolhidas.
O caso austríaco foi apresentado com a exibição do filme “Der Prozess”, que relata a prisão de 10 ativistas pelos direitos dos animais. A detenção seguiu-se ao raide policial de 21 de maio, quando casas de ativistas e sedes de movimentos foram invadidos pela polícia e material de campanha apreendido. No processo que se seguiu, foi revelado que os/as ativistas estavam a ser vigiados há muito tempo, através de escutas telefónicas e polícias infiltrados no movimento.
O processo foi revelador da extensão da perseguição política em causa, na medida em que foram apresentadas provas falsas de crimes, incluindo um comunicado reclamando a autoria de um ato de incendiarismo que nem sequer tinha acontecido na realidade. Finalmente, ao fim de 110 dias na prisão, os/as 10 ativistas foram todos libertados, sem que qualquer acusação tivesse sido feita.
Uma situação semelhante ocorreu em Espanha recentemente, explicou Sharon Nuñes, da Igualdad Animal. A 22 de junho deste ano, a casa de Nuñes foi revistada e ela foi presa, conjuntamente com 11 outros/as ativistas da Igualdad Animal e da Equanimal. Centenas de polícias foram mobilizados e entraram nas casas fortemente armados e com a cara tapada.
Os ativistas detidos foram levados para diferentes prisões, onde ficaram incomunicáveis durante três dias. Depois de uma greve de fome, os/as ativistas foram levados a tribunal e três ficaram em prisão preventiva. Apenas a 13 de julho estes saíram em liberdade, depois de um recurso em tribunal.
Até hoje, os/as acusados/as continuam sem saber ao certo quais são as acusações pelas quais terão de responder. Sabem apenas que terão a ver parcialmente com um resgate de martas destinadas à produção de peles, não relacionado de todo com as organizações visadas. Outras acusações incluem invasão de propriedade privada e desordem pública, relacionadas com as ações de desobediência civil pacíficas levadas a cabo pelos movimentos, como o resgate de animais e a invasão de passereles durante desfiles de moda com peles.
Durante os últimos meses, a comunicação social e o juiz responsável pelo caso por várias vezes apelidaram os ativistas como “ecoterroristas”, criminalizando desta forma todo o movimento pelos direitos dos animais. Este caso mostra a necessidade de defender a legitimidade desta luta, e foi com este fim que foi criada a campanha Unidos Contra la Repressión del Movimiento de Derechos Animales.
Violência e educação especista
Romina Kachanoski, mestre em Psicologia Social pela Universidade Autónoma de Barcelona, mostrou-nos como a visão antropocêntrica do mundo conduz ao especídio – o sistemático extermínio ou remoção de todos ou parte dos animais, porque pertencem a uma espécie diferente. Falou-nos também de dois tipos de violência que infligimos a outras espécies de animais: direta e indireta.
Exemplos de violência direta são a violência física, psicológica, espacial, linchamento e nefligência. Já violência indireta é aquela que é colateral, estrutural ou discursiva.
Os exemplos de violência e especídio mostrados deixaram toda a audiência num carregado silêncio.
Samuel Guerrero, professor primário no País Basco, Estado Espanhol, falou sobre a educação especista. Na sua escola, Guerrero tem tentado combater o especismo que invariavelmente se encontra como normativo nos materiais de educação, em jogos, histórias e canções infantis.
Não só a escola, mas também a família, a sociedade e os medias são meios pelos quais interiorizamos o especismo. Quando deixamos de ver, ouvir e pensar pela lógica especista, somos levados/as ao veganismo.
Dia 5 de Junho é o dia contra o especismo. Vamos celebrá-lo.
O debate estratégico
O debate sobre estratégias a seguir na defesa dos direitos dos animais arrancou com uma apresentação de Jan-Harm de Villiers, filósofo da Universidade da África do Sul, sobre a teoria dos direitos dos animais. Para o filósofo, a defesa de direitos dos animais baseada em comparações com o ser humano é inconsisente e paradoxal.
De Villers salientou como é comum encontrar no discurso sobre direitos dos animais a distinção entre humanos e animais, criando uma separação entre um animal (o ser humano) e os outros que é artificial e antropocêntrica. Não menos antropocêntrica é a ideia de que os animais devem ter direitos com base em traços comuns com os humanos, como a capacidade de sofrer ou a racionalidade, conforme é defendido pelo filósofo Peter Singer ou pelo jurista Gary Francione.
Esta ideia apresente dois grandes problemas. O primeiro é que a similaridade entre humanos e alguns animais não é algo que possa ser estabelecido objetivamente, pelo que qualquer argumento a favor dos direitos dos animais feito nessa base será questionável. O segundo é que argumento dado para dar direitos a alguns animais também pode ser dado para negar direitos a outros animais. Assim, o ativismo baseado nesta abordagem pode conseguir algumas reformas que melhoram o bem-estar dos animais, mas apenas à custa de tornar mais difícil conquistas posteriores.
Mesmo o argumento da senciência como base para a atribuição de direitos não está livre de problemas, salientou de Villiers. Por um lado, porque os animais sofrem todos de forma diferente e há diferenças qualitativas que são ignoradas ou menosprezadas pela abordagem utilitarista de Singer. Por outro, porque a comprovação do sofrimento animal é feita mediante experiências dolorosas em animais, as quais, para mais, são sempre inconclusivas nos termos definidos pelos cientistas e acabam por perpetuar a mentalidade que pretendemos abolir.
O tema da violência na luta pelos direitos dos animais foi abordado por Elizabeth deCoux, jurista na Florida Coastal School of Law, EUA. A jurista começou por explicar que o termo violência, nos sistemas legais norte-americano e europeu, estende-se a crimes contra a propriedade. Isto implica que é possível categorizar uma ação de resgate de animais ou de invasão de laboratórios para captação de imagens como sendo violenta.
A semântica é neste caso altamente relevante, já que a palavra “violência” é entendida no senso comum como designando a agressão de pessoas. Consequentemente, quando ativistas de direitos dos animais são julgados por terem invadido propriedade privada, o que passa para a comunicação social é a ideia de que foram responsáveis por um ato de violência, e daí decorre a colagem do adjetivo “terrorista” aos animalistas.
Esta banalização do termo “violência” permite dois grandes ganhos para os exploradores de animais. De um lado, permite descrever todo o ato de exposição da verdade (como colocar na internet um vídeo de um laboratório onde se fazem experiências em animais) como sendo violento. Do outro, permite que os exploradores sejam vistos como vítimas e que os ativistas que recorrem a meios extra-legais para impedir atos de agressão sejam vistos como agressores.
DeCoux deixou ainda uma sugestão para o movimento, acerca de recursos legais a usar em julgamentos por ações de desobediência civil. O argumento do “mal menor”, presente na doutrina legal em todo o mundo, que determina a legalidade de um ato considerado ilegal quando está em causa prevenir um mal maior. A jurista, contudo, alertou para o facto de este argumento nunca ter sido usado com sucesso num julgamento quando estão em causa agressões a animais.
Finalmente, Brendan McNally, veterano do ativismo pelos direitos dos animais e pelo veganismo, apresentou uma palestra dedicada à conciliação do ativismo com a vida no dia a dia. McNally frisou a importância de aprender a lidar da melhor forma com as pressões com que ativistas se deparam, da parte da sociedade, da família, dos empregadores, da comunicação social e dos governos.
O equilíbrio entre ativismo e a rotina diária é indispensável para manter a sanidade mental e a capacidade de raciocínio necessárias para ser um/a bom/boa ativista. Aceitar que não é possível mudar toda a gente, encontrar momentos de felicidade no meio da tragédia presenciada com a exploração animal, valorizar todas as pequenas vitórias, dormir e comer bem e viver uma vida saudável, tudo isto faz parte do ativismo, não devendo ser visto como um empecilho.
A ascensão e a queda do império humano e a guerra aos animais
A conferência contou com duas apresentações do filósofo Steve Best, um dos mais famosos autores sobre direitos dos animais da atualidade. O professor da Universidade de El Paso, EUA, começou por falar sobre a evolução da espécie humana.
Depois de levar à extinção todos os outros homos, o homo sapiens começou a extinguir outras espécies de animais por onde passava. Nesta apresentação, Steve Best designou a invenção da seta como um ponto de viragem na história do ser humano, por ter facilitado a morte de outros animais. De forma muito sucinta, Steve mostra que a agricultura sedentária leva à produção de excessos, o que permite uma organização social diferente de onde surgem as primeiras desigualdades e o patriarcado. Desta forma ele estabelece que o especismo e o patriarcado emergem muito antes das classes sociais. Com isto, alerta-nos para facto de que uma sociedade sem classes não é uma sociedade livre do patriarcado e do especismo.
Seteve Best anunciou a morte da natureza: desde o ar que respiramos, à maçã que comemos, tudo já foi alterado pelo ser humano. Já nada é “natural”.
Apesar de cético em relação à natureza humana que considera violenta, Best afirma que o que pode começar a mudar o mundo num bom sentido é o fim das privatizações e do consumismo de que estão a ser alvo as sociedades dos últimos tempos.
Já no que toca às estratégias para lutar contra a guerra aberta que os humanos impõe aos animais, Best apelou a uma abertura pragmática, que tenha em conta o contexto político e social e que seja plural nas suas táticas. Nesse sentido, o filósofo opõe-se às correntes pacifistas, por serem exclusivas quanto às táticas que são admissíveis no movimento.
Uma aposta ganha
A Conferência Internacional sobre Direitos dos Animais foi claramente uma aposta ganha por parte das organizações que a conseguiram concretizar pela segunda vez. Oportunidades para trocar experiências, aprender e discutir ideias são sempre valiosas.
fonte: .anda
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