sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Se não posso dar-lhes meu lar, eu levo um teto a eles



A maioria das pessoas tem discursos recorrentes quando solicitadas a ajudar os animais que vivem nas ruas: “não posso resgatar porque não tenho espaço suficiente”; “não posso ajudar porque não tenho dinheiro suficiente”; “eu gostaria muito de ajudar, mas já tenho muitos cães em casa”. Recorrer às ONGs e protetores independentes, o quadro encontrado é sempre o mesmo: canis lotados e pessoas dando o sangue para conseguir ajudar a tantos animais, mesmo sem condições e recursos suficientes.
Em Buenos Aires, na Argentina, não é diferente. As adoções são poucas frente ao comércio desenfreado de filhotes de raça, bem como existe mais abandonos do que pessoas e instituições para acolher a todos. Com um sério agravante, por aqui, ainda existe o sacrifício nos canis municipais, que estão lotados de cães doentes, famintos e esperando sua vez de virar uma estrelinha em uma gaiola imunda e fria (no inverno a temperatura na rua pode chegar abaixo de zero).
Diante dessa situação desesperadora e na tentativa de reverter esse quadro, o protetor Miguel Medina, professor de piano de 24 anos, lançou a campanha chamada “Proyecto Ambulatorio”, que tem como premissa, o slogan: “Si no les puedo darle mi hogar, les alcanzo un techo yo” (“Se não posso dar-lhes meu lar, eu levo um teto a eles” – em tradução livre), publicado em Blog “Adopciones Buenos Aires – http://adopcionesbuenosaires.blogspot.com/. A ideia é muito simples, contruir casinhas de madeira quentinhas e impermeáveis para os cães que vivem nas ruas e pedir para a própria comunidade da região cuidar dele.
A ideia deu tão certo, que, San Isidro, cidade da Província de Buenos Aires, onde o projeto começou, está cheia de casinhas abrigando esses animais que esperam o dia em que um adotante apareça e lhes dê um lar de verdade.
Medina, que prefere trabalhar sozinho e não pedir ajuda financeira, conversou com exclusividade com a repórter, Danielle  Bohnen, correspondente da ANDA na Argentina, e contou como fez para criar o projeto e manter muitos animais sem levá-los para sua casa.

ANDA – Como você começou a ajudar os animais?
Miguel Medina – Comecei sozinho aos 18 anos, mas nunca imaginei que chegaria a ter as proporções que tomou hoje. Eu me dei a independência de minha família, pois eles gostam de animais, mas não estão ligados às causas de proteção, então por não mandar no meu lar e para poder trabalhar tranquilamente, saí de casa assim que pude.
ANDA – Sua família se incomoda com seu trabalho como protetor?
Miguel Medina – Às vezes sim. Eles se preocupam comigo, com meu trabalho, essas coisas. Principalmente, porque cada história que aparece é como comprar um novo rol de incertezas, mas é parte de tudo isso. Por sorte, consegui logo viver sozinho e poder trabalhar independentemente sempre.
ANDA – Então você faz tudo sozinho? Não tem a ajuda de ninguém?
Miguel Medina – Olha, eu nunca soube trabalhar com protetoras, eu sequer tentei, porque todas as vezes que me aproximei para ver como trabalhavam, vi que brigavam muito, havia muitas tensões de grupo, depois disso me fechei ainda mais.
ANDA – Mas você tem ajuda de outras pessoas?
Miguel Medina– Sim, mas o que eu faço é pedir doações para um público em geral, de materiais para que possa trabalhar. Materiais usados, porque eu adapto tudo, reciclo tudo. Peço coisas que as pessoas tem em casa e que não usam mais, qualquer coisa.
ANDA – Você que constrói tudo sozinho?
Miguel Medina– Sim, as casinhas sim. As pessoas doam materiais. Eu fiz uma lista com os elementos que mais preciso como madeira, pregos, mantas, cobertores, plástico, mas tudo é bem-vindo.
Miguel constrói sozinho as casinhas para cada cão abandonado, na companhia de seu amigo Sam. Foto: Revista El Federal/ Reprodução.
ANDA – Então você prefere doação de materiais do que de dinheiro?
Miguel Medina – Isso. As pessoas que doam dinheiro, geralmente, são estrangeiros, que conhecem o projeto pela internet. Eu tenho uma conta bancária para depósito e também um Paypal no blog, mas não gosto de recorrer a isso, prefiro mesmo a matéria-prima e é isso que priorizo. Quando me doam dinheiro, eu guardo as faturas depois mostro onde gastei. Se não te lapidam e preciso estar em paz.
ANDA – Como assim te lapidam?
Miguel Medina – Olha, a desconfiança do argentino é severa. Todos são “estafadores” (pessoas que se aproveitam para tirar vantagens dos outros) para o inconsciente coletivo do argentino, então é difícil administrar a parte de doações monetárias aqui. Outra garantia que tenho, é que mostro tudo o que faço. É algo cultural. É como um cão que apanhou muito, o coitadinho vive olhando para seu próprio lombo ferido, atento por todos os lados, o argentino é assim, passou por muitas coisas que o deixou resistente e isso se tornou uma tendência, embora eu conheça muitas pessoas de ouro, que me apóiam e, por isso, me sinto consolado.
ANDA – Então você pode contar com algumas pessoas.
MEDINA – Eu conto com comunicação. Essas pessoas não militam comigo, porque eu sou uma pessoas sozinha. Simplesmente me ajudam se podem e como podem.
ANDA – Como você começou?
Miguel Medina– Comecei a trazer animais para minha casa, porém, chegou ao ponto de não caber mais. Por vários, motivos, espaço, higiene, dinheiro e tempo. Cheguei a abrigar 9 cães. Então decidi não desistir mesmo assim e tratei de buscar uma forma diferente na qual eu pudesse ajudar além da minha limitação. Por isso, o tema “Si no les puedo darle mi hogar, les alcanzo un techo yo” (“Se não posso dar-lhes meu lar, eu levo um teto a eles” – em tradução livre). As primeiras casinhas eu não informei a ninguém, porque não era conhecido e fazia de uma maneira minha, meio autista.
ANDA – Você ajuda apenas cães?
Miguel Medina– Não. Qualquer animal, tenho gatos também, mas com eles é diferente, pois se adaptam melhor às condições das ruas e se viram melhor sozinhos.
ANDA – Quando você começou a trabalhar com as casinhas?
Miguel Medina– Faz dois anos. Morria com a impotência de não poder levar para casa uma cadela que estava morrendo de frio atrás de uma banca de jornal. Decidi pegar um móvel que eu tinha em casa e tranformei em uma casinha de cão. Pedi permissão à senhora dona da banca e inclusive pintei a casinha da mesma cor da banca. A cadelinha, sem hesitar, percebendo que tinha um abrigo, deixou de me rodear para entrar na casinha e passar a ser uma cadela comunitária. Mas esse é só um método paliativo, para ganhar tempo. Não é uma solução, mas te ajuda a ganhar tempo para proporcionar um pouco de bem-estar animal.
ANDA – É algo para ser temporário como acontece com os lares temporários, pensionados e refúgios?
Miguel Medina – Isso. Eu sempre uso os pensionados, porém há mais pessoas que não podem abrigar um animal do que as que podem ajudar com um lugar físico. Então, este projeto chama atenção justamente por isso, pois cala todos aqueles que dizem que não vão pegar um animai porque não  dispõe de espaço físico ou por isso ou aquilo, como desculpa ou consolo, não importa, porque o projeto engloba muitas pessoas, inclusive essas que não podem dar abrigo, acredito que é uns 90% das pessoas, por isso acredito muito que tem potencial.
ANDA – Você cuida sozinho de cada casinha?
MEDINA – Não. Eu faço rondas frequentes, mas deixo aos cuidados de pessoas da região, ou seja, os vizinhos mesmo. Me comunico com eles por email, mensagens, se precisam de algo ou se falta comida. Então reparto o alimento para aqueles que se comprometem em dar-lhes de comer. Em minhas rondas eu verifico, mas não constante, pois são cães comunitários, são cuidados por muitas pessoas e são alimentados até mesmo quem não conheço. É notável como se comparte o sentimento.
Negra descansa ao lado de sua nova moradia temporária. Foto: Adopciones Buenos Aires
ANDA – Qual foi o caso que mais te tocou?
MEDINA – Foi o de uma cadela, Puchi, abandonada na porta de sua casa. Foi o caso mais amei viver. Porque o tutor dela morreu, daí vieron os herdeiros e jogaram tudo na rua, inclusive a cadela, então ela passou a morar no mesmo lugar, só que do portão para fora. Ela se recusou a ir embora e dormia fora de casa feito uma bolinha encolhida, aquela era mais sua casa do que deles, nunca deixou sua porta. Um dia a abandonaram longe dali, mas ela voltou, e ficou um ano ali, até que me contaram a história. Então coloquei uma casinha ali perto. Ela é uma cadela muito especial, porque tem a Síndrome de Imuno Deficiência, ou seja, AIDS canina, que foi descoberta a tempo. Mas assim que as pessoas souberam, passaram a evita-la e as pessoas do bairro começaram a dizer que não queriam adota-la porque tinham filhos, família, como se uma coisa tivesse a ver com outra! A AIDS canina é outra coisa, não é compatível com humanos. Eu ofereci a um vizinho que era mais idôneo, para explicar-lhe que não tem nada a ver, porém, por ignorância a coitadinha passou maus bocados. Depois de 6 meses ela foi adotada por uma família maravilhosa que a recebeu com muito carinho.
ANDA – Os cães das casinhas recebem atenção veterinária?
MEDINA – Claro. Cada casinha é um compromisso com esterilização, alimentação, vacinas e tudo o mais que for necessário. Com o zoonoses eu consigo as antirrábicas e as esterilizações são municipais, portanto gratuitas. O resto vem de doações.
ANDA – Você se comunica com pessoas somente por internet?
MEDINA – Não, eu faço folhetos informativos e convoco também palestras e conversas nos bairros. Porque há muitas pessoas que não usam a internet em bairros mais humildes e também há muitos idosos que ajudam e não dispõe de computador ou acesso à internet. Então, distribuo folhetos e conto um pouco sobre meu trabalho.
ANDA – Você que paga tudo do seu bolso para a confecção dos folhetos e outras coisas?
MEDINA – Não. As pessoas me ajudam como podem. A gráfica me dá os folhetos de graça. Se preciso de uma advogada, tenho uma que oferece sua profissão. Se preciso de transporte, há pessoas que me ajudam com seus carros para levar um cão a algum lugar.



fonte: anda

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