Eliane Aparecida da Luz Ferreira ligou para a família, os amigos, para o banco. Precisava de R$ 795. No balcão da padaria onde trabalha, no Monte Cristo, foi colocada uma pequena caixa de papelão para angariar doações. A comunidade se solidarizou e em quatro dias R$ 143 ocupavam a caixa. Mas a quantidade era insuficiente para tirar a vira-lata Bolina da clínica veterinária particular onde ficou internada em estado grave por sete dias. Ela foi medicada com um similar a morfina e sobreviveu a uma cirurgia de cinco horas. Recebeu seis pinos na pata, esfacelada por um tiro de pistola ponto 40, disparado por um soldado do 22° BPM (Batalhão da Polícia Militar).
Na segunda-feira à tarde o telefone tocou. Eliane, que usava seu intervalo na peregrinação por empréstimo, demorou a atender. Na terceira chamada, o homem que se manteve anônimo divulgou: “A senhora não precisa mais se preocupar. Li sua história. A dívida na clínica está paga”. A fala da padeira ficou quase indecifrável, entre palavras e lágrimas, de alívio e surpresa, pela generosidade do desconhecido. “Ele só falou: ‘quando fizeres tuas orações peça por mim’, mas não me deixou agradecer”, conta.
O drama de Bolina teve um desfecho feliz – ela já voltou para casa -, mas outros cães padeceram com o abuso da PM, como a vira-lata Chitara, morta com um tiro na cabeça, no bairro Ilha Continente, no mesmo dia que Bolina foi atingida, 1º de agosto, ou a pointer Fany, fuzilada com cinco tiros, na praia das Palmeiras, em Itaguaçu, dia 26 de outubro do ano passado. O pitbull Zaru sobreviveu a um tiro de fuzil na cabeça, e hoje sofre de epilepsia.
O advogado Amarildo Miranda, que representa gratuitamente Eliane, informou que entrará com um processo na Justiça Militar. “Todos os argumentos do soldado que atirou na Bolina são silenciados pela omissão de socorro ao animal. Ele é um funcionário do Estado, estava fardado, atingiu o animal, deixou agonizando e foi embora. O Código Penal julga esse ato como criminoso”, disse. Miranda salientou que não deixará o caso impune.
As investigações sobre a morte de Fany já foram encerradas. O policial do PPT (Pelotão de Patrulhamento Tático) não recebeu punições administrativas. “Não houve indícios que apontassem desvio de conduta do policial”, afirmou o coronel Ilon Joni.
Penas brandas
Não existem estatísticas sobre casos de maus-tratos aos animais. As investigações não apontam culpados. As sindicâncias da PM são sigilosas. Legisladores elencam como dificuldades a lei branda e a dificuldade de provar a autoria e até um possível abuso de autoridade, nos casos que envolvem policiais.
O artigo 32, da lei 9.605/98, prevê detenção de três meses a um ano para os agressores, acrescida de um terço em caso de morte. Quando o crime envolve armas de fogo e expõe outras pessoas a riscos, o agressor responde por mais de um tipo de crime e a pena pode subir. “Como o crime é de menor potencial ofensivo, os agressores estão sujeitos a penas alternativas”, disse o promotor Júlio Fumo Fernandes, coordenador do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público Estadual. Ele concorda que a lei, às vezes, é “branda”.
No Centro de Controle de Zoonozes da Capital, no Itacorubi, sob a coordenação da diretoria de Bem-Estar Animal, são registradas denúncias diárias de violência contra animais, mas apenas uma pessoa cumpre pena. Fernandes informa que o MP pode ser procurado caso a autoridade policial descumpra seu papel. Uma das alternativas, segundo o promotor, é a prevenção e a reeducação, para conscientização que “a vida de um animal não vale menos”, diz.
Fonte: ND Online
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