sábado, 21 de abril de 2012

Os bárbaros entre nós

Leonel Moura 

Leonel Moura




Esta semana foi notícia a queda de um rei. Juan Carlos Alfonso Víctor María de Borbón y Borbón-Dos Sicilias tropeçou no Botswana e foi parar ao Hospital San José de Madrid. Os media, sempre muito interessados no que sucede a tão proeminente figura, logo se animaram em frenesim emitindo aquele tipo de diretos que consomem tempo e paciência pois raramente dizem mais do que foi dito e redito. Em resumo, o rei está bem. 

Sucede que o rei pode estar bem mas o que ele fez não está nada bem. Apesar de uma inicial ocultação mediática, típica de um meio onde faltam jornalistas e prevalecem lacaios, veio a saber-se o que realmente andou Juan Carlos a fazer pelo Botswana. Matar elefantes. 

A partir daqui surgiram dois tipos de críticas. Uma, largamente maioritária, concentrou-se no dinheiro gasto. No Botswana paga-se 40.000 euros para matar um elefante. Uma tal despesa frívola indignou muitos espanhóis num momento em que as medidas de austeridade atiram para o desemprego e miséria milhares de pessoas. A outra crítica, minoritária, foi direito ao verdadeiro assunto, ou seja, o facto de este homem se divertir a matar elefantes, uma espécie em vias de extinção.

Não vale a pena estar com delicadezas. Este rei é um bárbaro, um primitivo, um delinquente. Como o são todos aqueles que retiram prazer a chacinar indefesas criaturas. Em vias de extinção ou não, a vida animal sofre uma pressão insustentável por parte do homem que cada vez mais ocupa, explora e esgota os recursos naturais necessários à existência de outras formas de vida. A caça, toda ela, de coelhos ou elefantes, é uma atividade sem qualquer justificação na sociedade contemporânea. É um crime praticado por gente incivilizada, por muito dinheiro ou posição social que tenha. É a expressão de um atavismo cultural que persiste. É isto que queremos quando falamos de civilização?

É claro que os praticantes têm os seus argumentos. Não são muitos, reduzem-se a dois. O primeiro é o da tradição. Sempre se caçou e, portanto, há que continuar a fazê-lo. A tradição é invariavelmente usada para legitimar tudo o que há de mais primitivo e bárbaro. Acontece que a sociedade humana se foi desenvolvendo precisamente contra a tradição, banindo práticas, alterando comportamentos, procurando "civilizar" os homens. Não fosse isso e ainda hoje teríamos a generalização da escravatura, a discriminação das mulheres ou dos que têm uma diferente cor de pele. E, se tais práticas grosseiras persistem em alguns lugares, é nossa tarefa combatê-las decididamente.

Mas o argumento mais pérfido é o que pretende que a caça protege as espécies. Diz-se que sem caça já não existiriam muitos animais. Sem touradas não existiriam touros e por aí adiante. Defende-se a matança, sistemática e organizada, em nome da vida. Será que esta gente, para além da sua malvadez, também acha que somos todos estúpidos? 

A proteção das espécies animais só se pode fazer de uma única maneira. Preservando os seus habitats, refreando a expansão agrícola e esgotamento dos recursos, impedindo a chacina. A extinção das espécies ameaça o equilíbrio ecológico e coloca em risco todas as outras espécies. Incluindo a nossa. Como se pode ser tão irresponsável?

Mas não quero terminar sem abordar aquilo que realmente é mais chocante nesta história das caçadas de reis e afins. Já é grave que gente ignara se dedique a maltratar animais, seja por divertimento, seja por "tradição". Mas que sejam aqueles que constituem a elite da sociedade a fazê-lo não pode deixar de nos revoltar. Este rei, que é Presidente da secção espanhola do WWF (Fundo Mundial para a Natureza), sabe perfeitamente o que está em causa e o impacto nocivo do seu comportamento. Ao agir de forma tão displicente, demonstra que não tem as qualidades necessárias para representar um povo. Não é definitivamente um bom exemplo para ninguém. E já agora, viva a república.

Mas não é só ele. Este tipo de caça grossa e cara predomina nas elites. Que se divertem a matar e a exibir as suas vestimentas, as suas armas, os seus troféus. O topo da nossa sociedade está repleta de bárbaros. E isso tem de ser denunciado e combatido. Tenham vergonha, antropopitecos.
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