Nas últimas semanas, uma série de casos de crueldade e maus-tratos contra animais ganharam destaque na mídia e aumentaram no público o sentimento de indignação e impunidade.
No último dia 16/12, a situação no Brasil pareceu ter chegado ao limite após imagens chocantes de agressão contra um cão da raça Yorkshire por uma enfermeira na cidade de Formosa-GO caírem na rede e se espalharem rapidamente entre os meios de comunicação.
Desta vez, havia ainda outro fato agravante: uma criança de aproximadamente três anos de idade, filha da enfermeira, presenciava boa parte das agressões ao cão, que morreu após os ataques da própria dona.
A preocupação, neste caso, além do ato de crueldade extrema contra o animal, passou a recair também sobre a menor de idade. E não poderia ser diferente: estudos já realizados em diversos países comprovam que, nos lares onde há violência doméstica, o abuso e a violência contra animais de companhia costuma ser a primeira ação utilizada pelo agressor para exercer o controle sobre os outros membros da família.
Assim, a violência contra animais de estimação pode se mostrar um grande indício de possíveis maus-tratos, abuso infantil (físico e/ou sexual), ou abuso de idosos dentro de um lar. Segundo estatísticas da Humane Society International (HSI), 88% dos animais que vivem em famílias com violência doméstica, são abusados, violentados ou mortos. De todas as pessoas que fogem de casa devido a algum tipo de violência ou abuso doméstico, aproximadamente 60% tiveram um animal de estimação morto por seu agressor. Além disso, muitos são os casos comprovados de assassinos em série - ou “serial killers” - que iniciaram seus históricos de crimes hediondos agredindo animais de estimação.
Mas, infelizmente, no Brasil, a relação entre a violência doméstica de mulheres, crianças e idosos e a violência contra animais ainda é menosprezada por boa parte das autoridades policiais. O trabalho de “investigação” dos primeiros indícios de agressões contra animais pode e deve ser exercido por pessoas da convivência daquelas que possuem animais. Caso as suspeitas de crueldade ou negligência sejam confirmadas, deve- se denunciar o agressor o quanto antes. A denúncia de maus-tratos é legitimada pelo Art. 32, da Lei Federal nº. 9.605, de 12.02.1998 (Lei de Crimes Ambientais), artigo 29 do Decreto 6514/2008 e pela Constituição Federal Brasileira de 1988.
Um papel importantíssimo nestes casos tem sido o do médico veterinário: muitos já estão aprendendo a procurar por sinais suspeitos nos animais de estimação, como o fato de nenhum animal atingir dois anos de idade em uma casa onde vivem muitos deles; ou, ainda, outros mais óbvios, como lesões que não condizem com a história contada pelo dono (as chamadas “lesões não-acidentais, como marcas de cigarro, fraturas recorrentes em um mesmo local, hematomas, etc.).
Lembrando que é preciso sempre seguir os princípios básicos da Guarda Responsável. Cuidar de um animal de estimação requer dedicação integral, paciência, tempo, dinheiro... Por isso, a decisão de adquirir um amiguinho deve ser bem pensada e aprovada por todos os membros da família. Os animais soltam pelo, latem, brincam e fazem travessuras, principalmente quando filhotes. É preciso socializá-lo durante a infância e educá-lo, seguindo as práticas corretas de manejo etológico para que haja uma boa convivência com as outras pessoas e animais, e em hipótese alguma utilizar a violência contra eles.
Este é um bom momento para repensarmos e discutirmos novas ferramentas para coibir as aquisições ou compras de animais por impulso, principalmente quando envolve pessoas despreparadas para cuidar corretamente de um ser vivo e senciente. Na Suíça, por exemplo, desde 2008, quem deseja adquirir um animal de estimação realiza um exame e passa por um teste prático, para saber se está apto físico e psicologicamente a cuidar de um animal de estimação – exigências estas que fazem parte de uma lei local de proteção aos animais.
Enquanto não contarmos no Brasil com a certeza da punibilidade dos agressores e da garantia de eficácia das leis vigentes para prevenir e punir maus-tratos devidamente, cabe você, antes de adquirir um animalzinho, pensar bem: estou mesmo preparado para cuidar de um animalzinho de estimação para o resto da vida?
*Rosangela Ribeiro (Gerente de Programas Veterinários WSPA)
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