sábado, 21 de abril de 2012

Condenar maus-tratos aos animais e defender seu bem-estar é luta social e política



Por Luísa Ferreira Bastos e Ricardo Sequeiros Coelho
(Foto: Reprodução/Outras Mídias)
A ciência já há muito nos tem vindo a demonstrar que muitos animais, incluindo todos os animais vertebrados, são sencientes, ou seja, são seres complexos que sentem prazer e sofrimento e têm necessidades mais ou menos complexas para ter uma boa vida.
A ideia de que são simples autômatos, como Decartes acreditava, já foi desacreditada. Isto implica que, caso essas necessidades não sejam satisfeitas, esses animais desenvolvem comportamentos atípicos, associados ao stress a que estão sujeitos.
Se por um lado percebemos que os animais têm determinadas necessidades que têm de se satisfazer para que possam demonstrar padrões de comportamento normais, por outro, ainda há um longo caminho a percorrer para resolver as incoerências entre o conhecimento e a forma desmedida como provocamos sofrimento aos animais. No entretenimento, na alimentação, no vestuário e na investigação, poucos são os exemplos de sociedades que já implementaram medidas eficazes para melhorar a situação e o tratamento dado aos animais explorados por estas indústrias. Também a indústria da criação de animais de companhia tem sido descurada no que concerne a proteção dos interesses desses animais.
Há quem defenda que a forma como tratamos os animais não humanos é uma opção individual. É com certeza uma opção individual a imposição do explorador de animais sobre as suas vítimas, tal como é uma opção individual seguir uma filosofia de vida que rejeite a exploração animal, como o veganismo. Mas a condenação dos maus-tratos aos animais e a defesa dos seus direitos e interesses é uma luta social e política, como foram e são as lutas pela erradicação da escravatura, do racismo e do sexismo.
Note-se que, embora a exploração de animais continue por todo o mundo, a pressão dos movimentos cívicos tem feito com que a União Europeia tenha já agido neste domínio. Consequentemente, temos hoje várias diretivas dirigidas a melhorar o bem-estar das galinhas criadas em gaiolas, abolir a utilização de animais em testes de novos produtos da indústria cosmética e reduzir o número de animais utilizados na investigação científica. Há, no entanto, falhas na implementação destas diretivas em alguns países da união, nomeadamente em Portugal.
Portugal é um dos poucos países que ainda não aboliu as antigas gaiolas de aviário, embora o prazo para a sua substituição por gaiolas maiores e com melhores condições tenha terminado a 31 de dezembro de 2011(1). As condições de criação de animais para alimentação são talvez das piores existentes nas diversas áreas da sua exploração. É portanto muito importante lutar pela promoção de medidas que melhorem as condições destes animais.
Também ao nível da investigação científica, estamos aquém das diretivas europeias. O desenvolvimento de alternativas à experimentação animal continua sem fundos específicos e o governo chegou ao extremo de prometer financiar um mega-biotério, um autêntico hipermercado de animais de laboratório (2). É preciso portanto garantir o apoio público a uma ciência mais séria e ética, em detrimento do enorme apoio à investigação científica com animais de laboratório. A bem de todos os animais, incluindo os humanos.
Mas há muito mais a fazer ao nível político para melhorar a forma como tratamos os animais.
A luta contra a utilização de animais no entretenimento já está há alguns anos na arena política portuguesa e precisa de continuar para que se acabe de vez com a exploração de animais nos circos, nas touradas, nas garraiadas e em tantos outros espetáculos falsamente rotulados como culturais. Também a nível de jardins zoológicos, oceanários e “zoomarines” é necessária uma intervenção firme para garantir que não são negócios desrespeitadores das necessidades dos animais e dos princípios de conservação da natureza.
Quanto aos animais de companhia, apesar de todas as campanhas contra o abandono de animais, pela melhoria das condições nos canis e pela esterilização de animais errantes, continua a não haver uma política nacional neste domínio. A regra é a total discricionariedade das autarquias, sendo que poucas têm uma atuação aceitável. Consequentemente, não temos sequer acesso a dados sobre o número de animais abandonados anualmente, que é estimado em 10.000 pela Liga Portuguesa dos Direitos dos Animais (3).
Para além de campanhas de sensibilização para o não abandono de animais de companhia, são necessárias políticas que visem responsabilizar as pessoas pelos animais que adotam. Já se tornou obrigatória a identificação de todos os animais e dos seus adotantes mas ainda não existe uma fiscalização das adoções ou uma inspeção regular de criações de animais de companhia com fins comerciais.
Igualmente essencial é uma intervenção nos canis municipais, que não têm condições para manter os animais que resgatam das ruas. Muitos dos animais errantes acabam por morrer em acidentes ou de doenças e a sorte dos que são capturados pelos canis não é muito melhor. Para reverter esta situação, é necessário transformar os canis em santuários para animais errantes, geridos em parceria com associações de defesa dos animais e onde se aposta na esterilização em detrimento do abate.
A evolução humana prende-se com a evolução da forma como tratamos o outro. Aquele sobre o qual temos poder. A nossa evolução prende-se com o repensar a nossa posição no mundo, na vida, e na nossa posição em relação ao outro que tocamos com a nossa existência. Por isso, o movimento pelos direitos dos animais é mais uma cor no arco-íris das nossas causas, tal como todos os movimentos pelos direitos humanos.

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