segunda-feira, 18 de julho de 2011

VOCÊ, COBAIA

 

Por mais que os cientistas realcem a importância dos testes com animais, esses experimentos são só o começo de uma longa série destinada a aprovar uma nova droga para uso clínico. E, depois que os potenciais medicamentos "sobrevivem" às pesquisas com animais, só resta conduzir testes em humanos.

Eles são divididos em quatro fases. Na primeira, o medicamento é ministrado a um pequeno número de pessoas (20 a 80) para que seja testada sua segurança. Na fase 2, o grupo de submetidos ao teste é maior (100 a 300), e a meta é avaliar a eficácia. Na terceira fase, o grupo aumenta drasticamente (1.000 a 3.000 pessoas), e, com isso, os dados de efeitos colaterais e uso seguro da droga começam a ficar mais transparentes. A fase 4 é realizada depois que a droga já está no mercado, com o intuito de monitorar, entre outras coisas, efeitos de uso prolongado.

Até aí, tudo bem, porque as regras são claras e os pacientes que se submetem aos testes são todos informados dos riscos que estão correndo, certo? Mais ou menos. Em tese, é isso que devia acontecer. Mas os habitantes dos países pobres acabam se tornando cobaias humanas para experimentos, de forma muito parecida com o que acontece com os animais.

No Terceiro Mundo, as principais vítimas são as nações africanas. Camuflados de ações humanitárias, vários dos testes clínicos violam as regras que vigoram com força nos países de origem das companhias farmacêuticas que os encomendam.

Um caso clássico aconteceu durante um teste com uma droga contra o HIV no Camboja, em Camarões e na Nigéria. O medicamento já era usado comumente para combater o vírus da Aids em pacientes infectados, mas a farmacêutica Gilead Laboratories queria saber se a substância também poderia ajudar a prevenir a infecção. Muito bem. Faltou só avisar os participantes (principalmente prostitutas) da natureza do teste e que metade delas na verdade receberia um placebo. Após protestos de ativistas, as ações foram interrompidas, entre novembro de 2004 e março de 2005. Mas casos como esse pululam e muitas vezes passam despercebidos, pela falta de controle das autoridades nesses países.

"Na África, as possíveis regulamentações médicas e farmacêuticas datam da época colonial e parecem obsoletas e inadequadas", afirmou Jean-Philippe Chippaux, diretor do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento, na França, em artigo publicado no jornal "Le Monde Diplomatique".

Um exemplo eloqüente da ignorância científica quando o tema é a complexidade dos seres humanos e seus primos mamíferos é o quão pouco avançamos na real compreensão dos fenômenos ligados ao organismo humano, mesmo levando em conta o fato de que já há alguns anos temos a sopa de letrinhas completa composta pelo DNA do homem. Mesmo de posse da "receita" que faz dos humanos o que são, pouco sabemos sobre como eles se tornam o que são e como isso às vezes sai dos trilhos, na forma de doenças. O estudo do genoma humano também pouco fez para criar novos medicamentos. Sua maior utilidade talvez seja na chamada genômica comparativa, que trabalha com o DNA de várias espécies diferentes na esperança de entender melhor o que está acontecendo com os humanos.

É muito comum, por exemplo, os cientistas encontrarem genes relacionados a uma dada doença, como o câncer. Ocorre que essas descobertas só podem ser feitas por métodos estatísticos - busca-se uma correlação entre a presença do gene nas pessoas e o quanto elas costumam ter a tal enfermidade. Isso ajuda, mas faz muito pouco para esclarecer o que de fato está acontecendo: como aquele gene está interferindo no organismo e produzindo a doença?

Uma opção para tentar descobrir isso seria simplesmente recolher pessoas doentes e dissecá-las à procura do que as deixa assim. Mas não seria uma boa idéia. Para esses casos, o uso de animais parece ser o único caminho aceitável. "Nas décadas de 1980 e 1990, a possibilidade de gerar camundongos com alterações em genes relacionados a doenças humanas deu novo impulso às pesquisas com animais", afirma Rehen.

A coisa funciona da seguinte maneira: por meio de técnicas de engenharia genética, os cientistas conseguem "desligar" um determinado gene (ou inserir uma cópia defeituosa, ou mesmo uma versão humana daquele pedaço de DNA) no organismo animal. O resultado é um bicho de laboratório com uma doença muito parecida com a que aflige os seres humanos.

Caso desistamos de perseguir essa estratégia, estaremos prescindindo de uma arma poderosíssima para compreender como certas moléstias se desenvolvem e trazem aflição e sofrimento a milhões de seres humanos espalhados pelo mundo. "Isso ratifica o uso da experimentação animal como peça-chave na compreensão de inúmeras patologias humanas", afirma Rehen.

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