Motoristas presos no engarrafamento buzinam sem piedade, enquanto uma broca quebra parte da calçada. Do outro lado da rua, uma construção faz com que o som de marteladas ecoe por toda a rua. Acrescente o barulho de pessoas conversando, cachorros latindo, vendedores ambulantes, e o resultado será muito próximo ao que se ouve em grandes cidades. Agora imagine o que você faria se fosse um pássaro tentando se comunicar com os companheiros de espécie em meio a essa confusão sonora. Gritaria? Pois é justamente o que eles fazem: piam a plenos pulmões.
Não é novidade para a ciência que, em ambientes urbanos, algumas aves, como pardais, chapins-reais e melros, cantam em frequências mais altas. Uma teoria dizia que essa era uma maneira de competir com a barreira acústica das metrópoles, que costuma ter uma frequência baixa. Agora, pesquisadores das universidades de Copenhague (Dinamarca) e de Aberystwyth (Reino Unido) descobriram que essa estratégia se deve também à própria estrutura física das cidades, como prédios, muros e demais obstáculos. Mesmo quando a cidade está silenciosa, essas aves continuam “falando mais alto”.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores compararam o canto de chapins-reais inseridos nas duas realidades. “Usamos nove gravações, seis representando os cantos rurais típicos e três urbanos. Testamos a degradação do som nos dois ambientes”, detalha ao Estado de Minas Torben Dabelsteen, pesquisador do Departamento de Ecologia e Evolução da Universidade de Copenhague e um dos principais autores do trabalho.
Segundo ele, as variações estruturais das cidades refletem e distorcem o som de diversas maneiras – o que faz com que os pássaros de ambientes urbanos precisem fazer o possível para reduzir as interferências para se comunicar efetivamente. Mas o autor é cuidadoso: ainda é cedo para afirmar que esse é um traço evolutivo ocasionado pelo comportamento humano. “Ainda não sabemos se é algo herdado, mas, se fosse apenas evolução, os filhotes cantariam mais alto assim que nascessem”, argumenta Dabelsteen.
Fernando Pacheco, membro do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos, entidade ligada à Sociedade Brasileira de Ornitologia, ressalta que as mudanças percebidas pela equipe de pesquisadores não se estende, necessariamente, a todo passarinho que passe a viver em centros urbanos. “O tipo de ave usado no experimento faz parte do grupo de pássaros com canto aprendido, ou seja, que usam o tom e a frequência que seus pais os ensinaram”, explica.
Segundo Pacheco, pássaros mais primitivos têm cantos inatos, de origem genética. Por isso, as mudanças na frequência das músicas não dependem da pressão do ambiente. Para as que tiveram aulas de canto, contudo, a música funciona como os idiomas dos humanos: se o pai pássaro não sabia uma nota ou outra, por exemplo, passa o desconhecimento ao filhote. “Isso cria alguns ‘dialetos’, como se fossem sotaques”, complementa Pacheco. Se o progenitor consegue benefícios melhores cantando mais alto (como mais chances de ser notado e, consequentemente, mais oportunidades de ser escolhido pela fêmea, por exemplo), ele certamente ensinará o pássaro mais novo a fazer o mesmo.
Regina Macedo, especialista em comportamento animal e professora do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília, acrescenta que a vocalização é crucial para que as aves consigam sobreviver, seja entre os prédios ou em meio às árvores. “Assim como a coloração, o canto é uma maneira de eles se comunicarem”, diz. “Um macho que não consegue cantar ou transmitir a informação de maneira adequada não se reproduz.” A flexibilidade evolutiva para modular a canção faz não só com que as aves sobrevivam ao caos sonoro, mas ajuda as notas a desviarem dos prédios e demais empecilhos. Para ela, o estudo inova ao levar em consideração a configuração das cidades como um fator que também tem seu papel no canto dos pássaros – ao contrário de pesquisas anteriores, que usavam apenas o barulho como referência.
SAIBA MAIS - Estudos recentes
Muitos animais, tanto em meio terrestre quanto em meio aquático, produzem sons que servem para a comunicação dentro e entre as espécies. O estudo das características e funções desses sons, levando em conta também os mecanismos e forças que atuam na sua produção, propagação e recepção, é denominado bioacústica, campo científico relativamente recente na ornitologia. Como todo domínio do conhecimento, são necessários para o seu desenvolvimento dois requisitos: uma base conceitual coerente e uma ferramenta tecnicamente adequada. A base conceitual da comunicação sonora em aves acompanha o desenvolvimento da etologia, quando não a antecipa. E as ferramentas tecnicamente adequadas para o estudo em bioacústica se concretizaram em 1960, com a comercialização de gravadores portáteis de rolo que hoje estão sendo suplantados pelos digitais.
Fonte: “Abordagens sobre a bioacústica na ornitologia”, de André Bohrer Marques – Atualidades Ornitológicas On-line, nº 146, publicado em novembro/dezembro de 2008. Laboratório de
Ciências Ambientais, Setor de Etologia e Bioacústica da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF).
Não é novidade para a ciência que, em ambientes urbanos, algumas aves, como pardais, chapins-reais e melros, cantam em frequências mais altas. Uma teoria dizia que essa era uma maneira de competir com a barreira acústica das metrópoles, que costuma ter uma frequência baixa. Agora, pesquisadores das universidades de Copenhague (Dinamarca) e de Aberystwyth (Reino Unido) descobriram que essa estratégia se deve também à própria estrutura física das cidades, como prédios, muros e demais obstáculos. Mesmo quando a cidade está silenciosa, essas aves continuam “falando mais alto”.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores compararam o canto de chapins-reais inseridos nas duas realidades. “Usamos nove gravações, seis representando os cantos rurais típicos e três urbanos. Testamos a degradação do som nos dois ambientes”, detalha ao Estado de Minas Torben Dabelsteen, pesquisador do Departamento de Ecologia e Evolução da Universidade de Copenhague e um dos principais autores do trabalho.
Segundo ele, as variações estruturais das cidades refletem e distorcem o som de diversas maneiras – o que faz com que os pássaros de ambientes urbanos precisem fazer o possível para reduzir as interferências para se comunicar efetivamente. Mas o autor é cuidadoso: ainda é cedo para afirmar que esse é um traço evolutivo ocasionado pelo comportamento humano. “Ainda não sabemos se é algo herdado, mas, se fosse apenas evolução, os filhotes cantariam mais alto assim que nascessem”, argumenta Dabelsteen.
Fernando Pacheco, membro do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos, entidade ligada à Sociedade Brasileira de Ornitologia, ressalta que as mudanças percebidas pela equipe de pesquisadores não se estende, necessariamente, a todo passarinho que passe a viver em centros urbanos. “O tipo de ave usado no experimento faz parte do grupo de pássaros com canto aprendido, ou seja, que usam o tom e a frequência que seus pais os ensinaram”, explica.
Segundo Pacheco, pássaros mais primitivos têm cantos inatos, de origem genética. Por isso, as mudanças na frequência das músicas não dependem da pressão do ambiente. Para as que tiveram aulas de canto, contudo, a música funciona como os idiomas dos humanos: se o pai pássaro não sabia uma nota ou outra, por exemplo, passa o desconhecimento ao filhote. “Isso cria alguns ‘dialetos’, como se fossem sotaques”, complementa Pacheco. Se o progenitor consegue benefícios melhores cantando mais alto (como mais chances de ser notado e, consequentemente, mais oportunidades de ser escolhido pela fêmea, por exemplo), ele certamente ensinará o pássaro mais novo a fazer o mesmo.
Regina Macedo, especialista em comportamento animal e professora do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília, acrescenta que a vocalização é crucial para que as aves consigam sobreviver, seja entre os prédios ou em meio às árvores. “Assim como a coloração, o canto é uma maneira de eles se comunicarem”, diz. “Um macho que não consegue cantar ou transmitir a informação de maneira adequada não se reproduz.” A flexibilidade evolutiva para modular a canção faz não só com que as aves sobrevivam ao caos sonoro, mas ajuda as notas a desviarem dos prédios e demais empecilhos. Para ela, o estudo inova ao levar em consideração a configuração das cidades como um fator que também tem seu papel no canto dos pássaros – ao contrário de pesquisas anteriores, que usavam apenas o barulho como referência.
SAIBA MAIS - Estudos recentes
Muitos animais, tanto em meio terrestre quanto em meio aquático, produzem sons que servem para a comunicação dentro e entre as espécies. O estudo das características e funções desses sons, levando em conta também os mecanismos e forças que atuam na sua produção, propagação e recepção, é denominado bioacústica, campo científico relativamente recente na ornitologia. Como todo domínio do conhecimento, são necessários para o seu desenvolvimento dois requisitos: uma base conceitual coerente e uma ferramenta tecnicamente adequada. A base conceitual da comunicação sonora em aves acompanha o desenvolvimento da etologia, quando não a antecipa. E as ferramentas tecnicamente adequadas para o estudo em bioacústica se concretizaram em 1960, com a comercialização de gravadores portáteis de rolo que hoje estão sendo suplantados pelos digitais.
Fonte: “Abordagens sobre a bioacústica na ornitologia”, de André Bohrer Marques – Atualidades Ornitológicas On-line, nº 146, publicado em novembro/dezembro de 2008. Laboratório de
Ciências Ambientais, Setor de Etologia e Bioacústica da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF).
Do Estado de Minas
fonte:pernambuco
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