sexta-feira, 13 de abril de 2012

Em Buenos Aires, animais selvagens vivem em palácios e templos


Atravesso a Praça Itália e estou frente a um pomposo arco de triunfo, semelhante a um monumento comemorativo de Roma. Passo pelo portal e caio em uma ampla esplanada que termina às margens de um lago. Do outro lado do espelho de água, descubro um prédio arredondado, encoberto por um teto em forma de cebola. Seus motivos ornamentais confirmam uma inspiração moura. À direita, em uma ilhota do lago, consigo notar, baixo a sombra de uma frondosa palmeira das ilhas Canárias, sete colunas que parecem ser de origem bizantina.
Afinal, onde estou? Onde podem um arco romano, um pavilhão árabe e uma colunada bizantina conviver lado a lado? A resposta é inusitada: passeio no Jardim Zoológico da cidade de Buenos Aires.
Ao redor do lago Darwin, situam-se dois importantes ícones do Zoo: as ruínas bizantinas e o pavilhão mouro doado pelo governo espanhol para servir como albergue para papagaios.
“Nosso zoológico representa uma fusão entre natureza e arquitetura, entre animais e história”, afirma Cristina Fernandez, responsável pela restauração dos bens culturais do parque. “O zoo possui mais de 50 edificações e, em 1997, foi declarado Monumento Histórico Nacional.”
A filosofia do zoológico da capital argentina está intimamente relacionada com a mentalidade portenha de um século atrás: para ter qualidade, o produto precisava vir do exterior, preferencialmente da Europa. Foi o que aconteceu com as ruínas bizantinas: foram transportadas desde Trieste, Itália, e uma delas dataria do século VI. Como algumas colunas continham frisos com motivos de animais, acabaram no zoo às margens do lago Darwin.
O parque foi moldado pela imaginação fértil de seu primeiro diretor, o médico e professor Eduardo Holmberg. Nomeado para o cargo em 1888, Holmberg, um apaixonado pela natureza, conseguiu desviar a ferrovia que cortava o terreno em duas partes, coordenou os serviços de terraplenagem – o local era um pântano – e desenhou os três lagos que existem até hoje. Uma vez a estrutura pronta, Holmberg decidiu que seu zoológico seria diferente: as moradas dos animais deveriam revelar aos visitantes o lugar de origem da espécie. Um chalé europeu foi construído para os alces, uma pagoda para cervos japoneses e até um castelo com quatro torres para os ursos.
Por diferenças políticas, Holmberg deixou o cargo em 1904. Mas seu sucessor, o italiano Clemente Onelli, continuou a obra e concluiu vários edifícios concebidos por Holmberg. O mais importante foi o Templo Hindu dos elefantes. O arquiteto responsável, Virgilio Cestari, inspirou-se no templo da deusa Kamakshi, situado no estado indiano de Tamil Nadu, a 70 km de Chennai (Madras). O elefante Salam e sua companheira, ambos da espécie asiática, foram os primeiros residentes há mais de um século.
Um elefante asiático (reconhecido por possuir uma orelha menor) é um dos três moradores atuais do Templo Hindu; os outros dois são africanos.
Outro exemplo de arquitetura adaptada às terras de origem do animal é a Casa das Girafas. Inspirada naarte muçulmana africana, a morada possui portas altas e estreitas – adaptadas à figura do animal – e arcos bicolores ornados com arabescos.
Assim como o Templo Hindu, o albergue das girafas foi restaurado há poucos anos. “Conseguimos manter os elementos originais, respeitando as cores e as formas”, diz Cristina Fernandez.
Hoje, uma espécie de cabra selvagem de pelo longo cohabita com as elegantes girafas.
Várias décadas se passaram. A chegada de novos moradores e a necessidade de expansão do zoo obrigaram os administradores a romper as regras iniciais de Holmberg e alguns animais tiveram de viver em moradas que não haviam sido construídas para eles. Assim, pavilhões inteiros foram transformados em locais para exposições e bichos de um continente acabaram em locais de outras regiões.
Atualmente, as lhamas andinas vivem no Templo Hinduísta de Java, originalmente arquitetado para os zebus em 1901. O edifício possuía, na ocasião, uma confeitaria no segundo andar e os visitantes observavam os animais desde o terraço. Ao lado do gado zebu, vacas holando-argentinas também viviam no local e forneciam o leite fresco que era degustado na hora.
O Templo Hinduísta dos Zebus foi tomado pelas lhamas sul-americanas. A antiga confeitaria do segundo andar está fechado ao público.
O Pavilhão do Quirguistão é habitado hoje por dois camelídeos, o dromedário de uma corcunda (foto) e o camelo asiático de duas corcundas, este sim existente neste país da Ásia Central.
Os zoológicos de todas as grandes capitais estão no topo da lista como principal passeio de domingo das famílias locais. O zoo de Buenos Aires é um dos mais visitados do mundo e recebe uma média de 3 milhões de visitantes anuais. Aqui, se as crianças estão mais interessadas em descobrir animais exóticos, um olho mais atento revela uma riqueza cultural inesperada. Fazer um passeio pelas alamedas é como dar uma mini volta ao mundo!
colunas.revistaepoca

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