segunda-feira, 3 de março de 2014

O enigma da longevidade não é por que morremos cedo, mas por que vivemos tanto, diz cientista

O enigma da longevidade não é por que morremos cedo, mas por que vivemos tanto, diz cientista Mateus Bruxel/Agencia RBS
A vida longa é uma conquista precária, segundo autor de livro recém-lançadoFoto: Mateus Bruxel / Agencia RBS
Dra. Abigail Zuger
 
Pense demais em sua expectativa de vida, e você nunca sairá da cama pela manhã. Assim que o fizer, porém, todos os mistérios científicos do assunto podem estar no tapete sob seus pés. Por que seu bom e fiel cachorro (ávido esportista, não fumante, abstêmio) deve ser condenado a envelhecer e morrer em pouco mais de uma década, enquanto você permanece em sua melhor forma – e o periquito africano de seu vizinho vive ruidosamente por anos e anos?
Jonathan Silvertown conseguiu destilar os milhares de anos de reflexão e pesquisa por trás disso em um pequeno livro: The long and the short of it (ainda sem tradução no Brasil). Silvertown, professor de Ecologia da Open University, na Inglaterra, não ensina você a viver para sempre.
Em vez disso, ele mergulha como uma andorinha de celeiro (expectativa de vida de 16 anos) através de um terreno que abrange o resistente pinheiro ponderosa (300 anos) e o nematódeo C. elegans (de dias a semanas), com acenos a Oliver Wendell Holmes Jr. (93), Dylan Thomas (49) e Woody Allen (ainda vivo). Tudo isso para demonstrar que, mesmo provavelmente limitado a menos de um século, você continua sendo um conglomerado particularmente sortudo de matéria orgânica no longo desfile mortal da vida.
"O enigma da longevidade não é por que morremos tão cedo, mas por que vivemos tanto tempo", segundo Silvertown. Na maior parte da História, as criaturas vivas eram células únicas que se reproduziam pela divisão. No entanto, quando a evolução gerou organismos multicelulares, a reprodução e a sobrevivência foram separadas, e envolvidas por novos cálculos de riscos e benefícios. A divisão celular teve de persistir por motivos de reprodução e reparo, mas também teve de ser controlada – já que a divisão descontrolada significa câncer ("um brutal lembrete de que a vida longa é uma conquista precária").
As células cancerosas de Henrietta Lacks (imortalizadas em laboratórios de toda parte, assim como no livro best-seller de Rebecca Skloot) demonstram que, sob as circunstâncias certas, células de mamíferos podem sobreviver praticamente para sempre. Entretanto, a expectativa de vida de seres completos está indissociavelmente ligada à nutrição, ambiente e genética – tudo operando em um mandato evolucionário para aperfeiçoar as espécies.
Em animais, tamanhos grandes basicamente se correlacionam a vidas longas. Muito curioso, então (e ainda sem explicação), que o atual vencedor do concurso de longevidade não seja uma baleia ou uma tartaruga gigante, mas um molusco do oceano de 507 anos – enquanto um pequeno rato-toupeira-pelado pode viver décadas a mais do que roedores de maior tamanho.
Pássaros vivem mais do que mamíferos de tamanho parecido (e pássaros que podem voar vivem mais do que os que não podem – escapar de predadores sempre ajuda). E mesmo assim, quando pesquisadores brincam de Deus e impõem terríveis desastres externos a um frasco cheio de moscas de fruta, as sobreviventes levam vidas mais curtas do que o esperado. Seria porque elas se reproduzem mais cedo, de alguma forma pressentindo que seu tempo pode estar acabando?
A expectativa de vida entre plantas varia das anuais, com lindas flores seguidas de uma morte rápida, e as coníferas de vida incrivelmente longa que persistem durante séculos ou mais. Porém, como aponta Silvertown, a maior parte da matéria básica estrutural compondo essas enormes sobreviventes está morta. E, então, há a raquítica árvore sul-africana que pode ter dezenas de milhares de anos, enviando repetidamente novos brotos de uma antiga raiz subterrânea. Essas árvores contam como velhas, mesmo sendo jovens? A ciência da mortalidade é criada a partir de paradoxos como esse.
Mas sejamos honestos, é a parte humana de tudo isso que realmente o interessa – a você e a gerações de empresários financeiros, alguns dos quais, conforme detalha Silvertown, experimentaram diversas confusões custosas sobre as estatísticas de seu empreendimento. Os especialistas modernos podem ser mais claros nos cálculos, mas muitos indicadores importantes da sobrevivência humana permanecem inalterados há séculos: para viver bastante, ajuda o fato de ter pais com vida longa. E ser mulher não atrapalha, desde que você não morra durante um parto.
Caso contrário, a senescência (termo estatístico preciso nos círculos da expectativa de vida, que descreve a crescente probabilidade da morte) é inevitável. Ela não é tão imediata quando costumava ser – nos últimos dois séculos, nossa própria espécie aumentou sua expectativa de vida em quase um quarto. E ainda assim exigimos mais, com novas técnicas para viver mais do que nossos vizinhos, sobre as quais Silvertown lança o olhar cético de um biólogo.
A nova moda de limitar drasticamente o consumo de calorias para aumentar a expectativa de vida, por exemplo, o lembra de nada mais do que um gene de longevidade do C. elegans que aparentemente funciona reduzindo o metabolismo, criando um verme dormente chamado de "dauer" ("resistir", em alemão). Os seres humanos que decidem passar fome, explicou ele, "sentem um frio constante, ficam compreensivelmente sem energia e possuem baixa libido, sintomas com uma semelhança incomum ao estado dauer do C. elegans.
A narrativa de Silvertown termina com os mais novos elementos da ciência da longevidade: telômeros e telomerase, stress oxidante e reparo dependente de radicais livres. Esses são conceitos que esclarecem alguns detalhes e obscurecem outros, levando ao mesmo tempo (assim como o círculo da vida por sábios do século XIII, disposto no piso de mosaicos da Abadia de Westminster) para frente e para trás. É um ciclo misterioso e glorioso que Silvertown nos apresenta, algo que exige uma releitura entusiasmada.
fonte:zerohora.clicrbs

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