segunda-feira, 22 de abril de 2013

Crise manda cavalos de raça para matadouros






(Foto: Divulgação)


A Andaluzia, província do sul da Espanha, famosa pelo flamenco e pelos castelos mouros, é também lar da lendária raça de cavalos que conduzia conquistadores para batalhas na América, que aparece em épicos de Hollywood e que, mais recentemente, se tornou um troféu para espanhóis durante os anos do ‘boom’ econômico.
Em seu rancho na região central, Francisco Mesa, de 73 anos, cria exemplares da Pura Raça Espanhola (Pura Raza Española). Ele entra no curral lamacento e imediatamente é cercado por éguas e potros que querem acariciá-lo com ternura, esquecendo-se de seu destino quase certo: o matadouro.
A não ser por um perdão improvável, os puro sangue de Mesa serão transformados em carne para exportação em julho. Eles são vítimas da crise econômica violenta que tem dizimado fortunas, feito empreendimentos imobiliários virar cidades fantasmas e deixado mais de um quarto da população desempregada.
A Pura Raça Espanhola sempre foi popular na Espanha, mas ganhou notoriedade no começo do ciclo de maior crescimento econômico do país, ocorrido no final dos anos 1990. Eles já tinham conquistado fama como cavalos usados em guerra, como presentes trocados entre a nobreza europeia, e têm sido destaque em filmes de Hollywood, como “Gladiador” e “Coração Valente”.
Foi então que estourou a bolha imobiliária espanhola de 2008. Primeiro, a demanda para cavalos encolheu.
Agora, com o aprofundamento da crise financeira que parece não ter fim, existe um novo dilema: tutores de cavalos estão cada vez mais sem condição de pagar pela manutenção dos animais. Isso significa que os cavalos serão destinados ao abate caso seus tutores não encontrem interessado.
Até o ano passado, uma lei espanhola determinava que os cavalos rejeitados fossem abatidos. Este não é mais o caso, mas a maioria ainda é transformada em carne, porque alega-se que não há alternativa se ninguém se oferecer para ficar com os animas. Tutores que abandonam os cavalos estão sujeitos a multas pesadas.
O número de cavalos enviados por criadores para abate na Espanha alcançou 70 mil no ano passado, mais que dobro do recorde de 30 mil registrado pelo Ministério da Agricultura em 2008.
Mesa cresceu em uma fazenda onde os cavalos eram as máquinas antes que as máquinas propriamente ditas chegassem, e está envolvido com criação desde 1991. Ele costumava vender puro sangue por dezenas de milhares de euros, e agora tenta desesperadamente se desfazer de seus 25 cavalos por um preço baixo ou doá-los para salvar suas vidas. Ele se diz horrorizado diante da grande possibilidade de vê-los transformados em bifes que poucos espanhóis comem, mas que é exportada para outros países da Europa – principalmente França e Itália.
Nestes tempos de dificuldade, Mesa diz que não pode comprometer ainda mais sua pensão mensal recebida do governo e complementada pelo aluguel que seu filho consegue com outra fazenda, para pagar os custos da criação de cavalos. Assim, estabeleceu junho como prazo final para encontrar um novo tutor para seus animais. Se não conseguir, isto é o que vai acontecer: um intermediário que negocia cavalos com matadouros paga cerca de € 150 (R$393,60) por animal, e envia um caminhão para buscá-los. Em seguida, os cavalos ficam em um curral até o abatedouro local dar conta da lista de animais na espera para serem mortos.
“Queremos que continuem vivos e estamos tentando recuperar algo do que gastamos”, diz Mesa. “Se não conseguirmos, temo que, como último recurso, com toda a dor coração, tenhamos que mandá-los para o matadouro. Mas imploro por ajuda. Eu não quero ganhar dinheiro com isso”.
Mesa afirma não acreditar que os grandes tempos do mercado de cavalos de raça na Espanha vá se recuperar enquanto ele estiver vivo. É uma análise compartilhada também por especialistas em criação de animais e pelo governo.
“Os cavalos eram um símbolo de status e muita gente comprou, aprendeu a cavalgar, e os criadores prosperaram”, diz Carlos Buxade, professor de zootecnia e chefe do departamento de produção animal da Universidade Politécnica de Madri. “O que acontece é que manter um cavalo agora custa de € 350 a € 400 (cerca de R$1.049,60) por mês e muita gente não tem condições” de pagar mais.
A Espanha está em “crise para tudo que é de luxo, e cavalos são luxo”, completa Buxade.
O censo do Ministério da Agricultura contabilizou 660.889 cavalos na Espanha neste ano, queda em relação ao pico de 748.622 registrado em 2011 – mas o número continua muito maior que os 435.598 registrados em 2008, pouco antes do ‘boom’ econômico chegar ao fim. Veterinários e especialistas alertam que a matança de cavalos pode continuar por mais anos. Autoridades estão cientes, mas parece não haver qualquer solução para evitar o problema.
Questão de economia
Tudo se resume a simples economia: os cavalos têm expectativa de vida de 10 a 12 anos, e muitos que estão vivos agora nasceram há apenas alguns anos atrás, para um mercado que não existe mais. Muitos criadores têm abandonado o negócio e, aqueles que continuam, estão produzindo menos cavalos, diz Leopoldo Fernandez, presidente do Sindicato de Criadores de Cavalos Espanhóis.
“Os rebanhos estão diminuindo e os criadores estão diminuindo”, afirma Fernandez, fundador da cadeia de restaurantes Telepizza e que comanda uma grande criação em Segóvia, cidade a uma hora de distância de Madri. “Você tem o criador que joga a toalha, e o criador diminuindo o rebanho. Os cavalos ou estão sendo vendidos a um preço muito baixo ou indo para o açougue. Nós não sabemos quantas pessoas estão cavando buracos no chão para enterrar seus cavalos”.
Fernandez diz ter visto evidências de que alguns criadores espanhóis estão subalimentando seus cavalos em meio à luta para cobrir as despesas. E ativistas dos direitos dos animais dizem que a crise provocou aumento no número de animais abandonados, apesar da ameaça de multa.
Mas Buxade afirma que o matadouro ainda é o destino mais comum. O motivo: a maioria dos proprietários espanhóis cumpre um mandado do governo exigindo o implante cirúrgico de microchips com detalhes de propriedade. Isso significa que os que abandonam seus cavalos podem ser rastreados e correm risco de penalidades que variam de centenas a milhares de euros.
“É muito melhor para o criador que não pode mais pagar por seu cavalo enviá-lo para o matadouro, porque ninguém irá atrás dele, mas não é algo que dá dinheiro porque o animal vale muito mais do que a carne”, diz. “Enviá-lo para o matadouro só poupa o custo do dia-a-dia.”
O criador Francisco Jose Rodriguez doou dois de seus cavalos de puro sangue espanhol a amigos nos últimos meses e não tem planos para criação da égua que poucos anos atrás produziu a prole em que cada exemplar valia entre € 4 mil(R$10.496,00) e € 12 mil (R$31.488,00). Deixá-la dar à luz a mais potros agora só somaria mais custos com a alimentação e o veterinário.
O negócio de criação Rodriguez começou em Almonte ao mesmo tempo que o cultivo de frutas e virou “um hobby, um passatempo”.
“Se você não pode comer, porque você não tem nenhum dinheiro, o cavalo vai ficar com muito menos”, afirma Rodriguez. “Eu quero evitar mandar meus cavalos para o matadouro, mas, se meu trabalho acabar, terei que fazer isso. Antes era um negócio, agora é a destruição.”
Em liquidação
A poucos quilômetros de distância, em seu rancho, Mesa está tentando vender por € 4 mil (R$10.496,00) um garanhão que teria alcançado € 20 mil (R$52.480,00) ou € 30 mil(R$78.720,00) há alguns anos. Ele está pronto para dar este cavalo e os demais, se puder não vendê-los até o final de junho.
O prazo coincide com a peregrinação anual de fiéis católicos a uma capela próxima para ver a pequena estátua da Virgem de El Rocio. O evento atrai um milhão de pessoas, muitas a cavalo, ou em carruagens puxadas por cavalos, de acordo com a tradição.
Mesa disse que vai usar o evento para fazer propaganda de seus animais pela última vez para uma multidão que os aprecia – e pode querer poupá-los do abate.
“Eu sou um amante de cavalos, e estou fazendo tudo que posso para salvar suas vidas”, diz ele.

Pura Raça Espanhola
(Foto: Divlgação)
Fonte: PB Agora

Nenhum comentário:

Postar um comentário

verdade na expressão