quarta-feira, 2 de maio de 2012

Colecionar animais pode ser distúrbio obsessivo-compulsivo

Saúde em Foco

JULIANA CUNHA
COLABORAÇÃO
PARA A FOLHA

'Pensei que já tivesse visto de tudo até ir trabalhar no Controle de Zoonoses', conta a assistente social Marília Berzins, que por cinco anos visitou casas que abrigavam dezenas de animais em condições precárias. 'O pior caso foi o de uma senhora que criava 200 cães numa fábrica abandonada.'
A tarefa de Berzins era visitar pessoas intimadas pela prefeitura após denúncias. Desde 2001, a lei 13.131 proíbe manter mais de dez bichos em residências de São Paulo.
Embora clara, a regra não é tão simples de ser aplicada aos chamados colecionadores: pessoas que depositam o sentido da vida na relação com bichos. 'Depois que o veterinário e o agente sanitário iam embora, a tarefa de dar conta daquela vida humana era nossa.'
Quando a prefeitura bate à porta, o dono dos bichos recebe prazo de um mês para se desfazer de parte dos animais. Quem comprova ter condições de criar mais de dez pode pedir licença especial e manter até 15. Após o prazo, a multa por descumprir a lei é de R$ 100 (dobra na reincidência).
'Reconhecer a casa que sofreu denúncia é fácil: costuma ser a mais maltratada, na rua mais sem saída. Vizinhos colocam apelidos na moradora, chamam de bruxa dos gatos, de cachorreira', diz Berzins.
Conhecido como 'animal hoarding' ou colecionismo de animais, o hábito de acumular bichos em casa pode ser uma forma grave do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
É um distúrbio que talvez venha a ser inserido na próxima edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (a bíblia da psiquiatria) como pertencente a um grupo de transtornos colecionistas. Está em pesquisa, o que explica a dificuldade em achar especialistas no Brasil.
'Estudos recentes indicam semelhanças entre o ‘hoarding’ animal e o colecionismo de objetos e traçam relação com TOC', explica Carmem Beatriz Neufeld, pesquisadora do departamento de Psicologia da USP de Ribeirão Preto e presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas.
TRABALHO EXCESSIVO
Para Aristides Cordioli, psiquiatra e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é difícil estabelecer a diferença entre um 'animal hoarder' e alguém que apenas tem muitos animais: 'Merece tratamento quando atrapalha a vida, gera reclusão e trabalho excessivo. Mas essas pessoas não reconhecem que passaram do limite. Poucas buscam ajuda antes de a situação se tornar insustentável'.
Três horas diárias e R$ 450 mensais é o que a designer Lilian Rega, 27, gasta para manter três cachorros, nove gatos e uma chinchila, habitantes 'vip' do sobrado que divide com o namorado e outros dois 'roommates', no Jabaquara.
'Tem essa lei impedindo a gente de ter mais de dez animais, mas trato bem, tenho espaço. Quem quiser pode vir ver que é tudo limpo', diz.
O andar de cima é reservado aos gatos. O térreo e o quintal são domínio dos cachorros: 'Não misturo porque gatos e cachorros têm linguagens corporais muito diferentes, podem acabar se machucando'.
Pela manhã, Lilian diz gastar uma hora e meia para limpar a caixa de areia dos gatos, lavar o quintal dos cães, pentear e alimentar todos. Quando volta do trabalho, é hora de deixar a chinchila livre por minutos em um quarto 'à prova de chinchilas' (sem frestas por onde o roedor possa fugir).
Só depois desse processo é que ela senta no sofá, com um ou dois gatos no colo, e conta ao namorado como foi o dia.
Para Lilian, que não se considera colecionadora, animal é sinônimo de apego, companhia, dedicação e abnegação. Por eles, ela declinou de uma oportunidade profissional no exterior: 'O trabalho duraria seis meses, eu não tinha como mudar toda a estrutura dos meus bichos para outro país e voltar em tão pouco tempo'.
jornalpequeno

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