quarta-feira, 23 de abril de 2014

ANIMAIS, SUJEITOS DE DIREITOS EMOCIONAIS

ANIMAIS, SUJEITOS DE DIREITOS EMOCIONAIS


O site Olhar Animal noticia uma virada na históriahumana. Por força da lei, na França os animais serão considerados sujeitos de direitos emocionais ou seres sencientes.

E a mudança será feita. Na França, os animais deixarão de ser considerados meros objetos de propriedade pessoal dos humanos. Serão tratados pela lei como sujeitos de direitos emocionais, portanto, como seres sencientes. Ninguém poderá mais fazer o que bem entender a qualquer animal, mesmo que se considere “seu dono”. Essa mudança abole o estatuto de objetos ao qual os animais foram condenados indevidamente ao longo dos milênios. E o povo francês (89%) a vê como boa.

Uma mudança dessa magnitude levou dois séculos e meio para ser concretizada. Mas ela ocorrerá, sem volta. Assim como a abolição do estatuto de objeto de propriedade ocorreu, libertando os escravos.

Em 1776 o doutor em Teologia, pastor da Igreja Anglicana em Aberdeem, cuja graduação havia sido em Artes pelaUniversidade de Londres, Humphrey Primatt lançou um pequeno livro, cujo título longo, no original, rezava:A Dissertation on the Duty of Mercy and the Sin of Cruelty to Brute Animals (Uma dissertação sobre o dever de misericórdia e o pecado da crueldade contra os animais brutos). Esse pequeno livro, reeditado em 1992 por Richard D. Ryder, com as devidas revisões linguísticas da última edição que era de 1834, traz agora o título curto: The Duty of Mercy, um livro com os argumentos genuinamente revolucionários, que enfrenta a moral dominante, a que condena os animais ao lugar de meras coisas, de objetos da propriedade humana, como se eles não tivessem uma natureza psíquica, uma consciência, inteligência, sensibilidade e linguagem. Como se a massa encefálica do crânio dos animais de outras espécies houvesse sofrido uma falha na programação e fosse uma massa gorda morta, sem função alguma. Em outras palavras, como se tivessem a aparência de serem sencientes, mas fossem destituídos da senciência, uma falha no design que Voltaire mostrou claramente não fazer sentido algum para os propósitos da natureza, ao ironizar a tese de Descartes que afirmava a in-consciência nos animais por conta de eles não falarem a linguagem humana.

Essa crença levou os humanos, especialmente os que ouviram a baboseira inventada por Descartes sobre a inexistência da mente nos animais, a crerem que os animais têm algo parecido conosco apenas na configuração externa: um crânio com um cérebro lá dentro. Nada mais. Esse cérebro dos animais não-humanos, com a mesma estruturação do cérebro dos humanos, no entender dos filósofos, dos padres, dos juristas e dos demais cientistas, menos dos defensores e protetores dos animais, que nunca duvidaram da existência da alma e da consciência nos animais que viveram e vivem com eles, seria falhado, destituído de consciência. Muito confortável para os que querem fazer ao corpo dos animais o que bem entendem, desde farrear a experimentar, usurpar suas secreções e matar. Enfim, a crença antropocêntrica especista elitista colocou o corpo e o cérebro dos animais humanos acima de todos os demais na natureza.

As diversas religiões fizeram coro ao que interessava para seus negócios particulares, afirmando que os animais não-humanos não têm a mesma estatura dos humanos perante uma consciência maior. Não contaram que essa consciência que desqualifica os animais de outras naturezas não é maior, é menor do que a consciência que suporta a ideia da igualdade natural entre humanos e não-humanos, no que diz respeito à capacidade de sentir dor e sofrer, ou de sentir prazer e contentamento por estar vivo, pulsando.

Ao longo da história, sempre houve quem afirmasse a igualdade da senciência em todos os animais. Entretanto, sempre houve quem tivesse poder para abafar essas vozes dissidentes. As religiões foram responsáveis pela desqualificação dos animais em suas doutrinas oficiais. Santos da Igreja Católica defensores dos animais, por exemplo, foram abafados por textos produzidos por Santos indiferentes aos animais ou até mesmo zoofóbicos. Se São Francisco de Assis pregou o amor por todos os seres vivos, São Tomás de Aquino pregou a supremacia dos humanos e os liberou para usarem os animais do modo que melhor lhes aprouvesse. E isso foi seguido. Não há pecado algum em se fazer o que se quiser contra qualquer animal, escreve Aquino, porque o ser humano, sendo superior a qualquer animal, pode usá-lo para quaisquer finalidades. Lastimável.

Entretanto, nos quatro primeiros séculos da nossa era, os filósofos conhecidos como greco-romanos, Sêneca, Ovídio, Plutarco e Porfírio afirmavam não apenas que os animais podiam sentir dor e sofrer, mas que eles eram dotados de racionalidade, ainda que não nos moldes do que se conhece por racionalidade na espécie humana, que, convenhamos, deixa muito a desejar na maior parte de nós, algo afirmado também por Aristóteles no livro, Ética a Nicômaco, escrito quatro séculos antes da nossa era. Somados, foram oito séculos nos quais jamais os animais foram tidos como seres vivos vazios de consciência.

A tese de que os animais não têm nada que se assemelhe à senciência humana floresceu quando raiou a tal da Modernidade. E desde então, com apoio da religião, do direito, da filosofia e da ciência, o inferno da experimentação em animais não teve pausa, e os campos de concentração e extermínio dos animais foram inventados para se criar animais em massa e suprir com suas carnes, leites e ovos a dieta de seres que não nasceram para digerir tudo isso e saírem ilesos da agressão que representa atormentar seus organismos com restos mortais de outros animais ou suas secreções. Sim, as carnes, leites e ovos têm nutrientes dos quais se nutre o organismo humano. Mas o organismo humano também têm esses nutrientes. Apesar disso, ninguém aprovaria que nosso corpo fosse usado para alimentar quaisquer outros seres, sejam lá de que espécie, superior ou inferior à nossa, fossem. Ética e coerência têm que andar juntas, quando o princípio moral é o da igualdade na consideração de interesses semelhantes. E o interesse em não sofrer, não ser escravizado e não ser morto é igual em todos os seres animados. Sem especismo eletivo ou elitista.

Os séculos de crueldade autorizada contra os animais, da escravização dos animais, da experimentação em animais, da criação artificial e matança de animais seguiram seu curso até nossos dias. A tratar os animais como se fossem objetos destituídos da senciência, a capacidade de sentir dor e prazer, de sofrer ou de fruir a própria vida, de cuidar de si e dos seus, de ajudar os de outras espécies, foi o que se ensinou sobre os animais nas melhores universidades do mundo. Toda essa negação foi um grande erro. Tão aterrorizante para o aprimoramento moral da humanidade quanto o foi a escravização dos seres humanos, abolida das leis somente no século XIX.

O século XX continuou seu curso do mal contra os animais, incólume. Os defensores da senciência nos animais, pioneiros do debate no mundo acadêmico, a exemplo do que o fizeram Peter Singer, Richard D. Ryder, Tom Regan, Steven M. Wise, Gary L. Francione e tantos outros, foram considerados quase como insanos, porque ousaram desmentir a tese da natureza insenciente dos animais não-humanos. Mas foi o seu trabalho e o ativismo animalista inspirado nele que deu força aos estudos e fez pressão sobre os cientistas que investigam a consciência em animais humanos e não-humanos.

No livro da contabilidade moral, passamos para o século XXI com nossa dívida para com os animais ainda no vermelho. Mas a pressão sobre a ciência não parou de ser feita pelos filósofos e ativistas animalistas. No início do milênio o debate foi introduzido no Brasil, que retardara a consciência já robustecida na Europa e nos Estados Unidos desde a década de 60 do século XX.

Em 7 de julho de 2012, reunidos em Cambridge na Inglaterra, cientistas de diversas especialidades da neurologia fizeram um Congresso especial para debater a existência da consciência em humanos e não-humanos. Ao final desse histórico congresso, na presença do físico Stephen Hawking, o autor do best-seller,Uma breve história do tempo, cuja degeneração neurológica não afetou a consciência e as habilidades cognitivas, os neurocientistas da cognição e da computação, neurofarmacologistas, neuroanatomistas e neurofisiologistas lançaram uma declaração, disponível na rede: Declaração de Cambridge sobre a Consciência Humana e Animal, na qual assumem perante a comunidade internacional que está comprovado pela ciência que todos os animais são dotados de consciência, sensibilidade e capacidade de sofrer e de fruir, além de sentir dor ou prazer [Ver FELIPE, Sônia T. (2012). Galactolatria: mau deleite, p. 237].

Acabou-se a era na qual os animais são considerados meros objetos andantes. No Brasil usa-se o termosemovente para designá-los, como se fossem autômatas ou vivos-vazios, destituídos de mente. Agora, falta acabar com a mentalidade rígida, estruturada por milênios nas inverdades que os filósofos e os cientistas nos contaram sobre a de-mência ou a falta de mente nos animais.

Quem, afinal, se portou como de-mente ao longo desses milênios? Os animais sempre se portaram mostrando-nos que há algo neles, dentro deles. Sempre fizerem o que puderam para que entendêssemos que eles têm alma e que a linguagem dessa alma é específica, além de pessoal, não é a mesma da nossa alma, nem igual em todos os indivíduos da mesma espécie. Nós estávamos obnubilados pelas crenças antropocêntricas, especistas e hierárquicas, que nos colocam em um patamar superior quanto à sensibilidade e consciência e nos autorizam a usar e a abusar, a explorar e a matar os animais como se não passassem de objetos sem alma, emborasemoventes, quer dizer, seres que se movem por conta própria, mas, não tendo alma, possivelmente se movem como balões, inflados pelo ar. Tanta inteligência humana para acalentar tais descalabros?

A França, em abril de 2014, numa virada política e moral sem precedentes na história humana, dá o exemplo de derrubada das crenças antropocêntricas especistas, ao propor que os conceitos que sustentam a legislação que rege a interação e a posse de animais não-humanos sejam filtrados de tal modo que nenhum animal seja mais considerado mero objeto de propriedade.

Na proposta francesa, o estatuto a ser concedido aos animais é o de “seres sencientes”. Agora, na esteira da legislação aprovada na Suécia, que condena o estupro de animais no mesmo molde em que o de humanos já é condenado, e da legislação francesa, que abole as noções jurídicas que impedem os animais de serem considerados em igualdade de condições com os humanos, no que tange às questões de posse, uso, exploração, abuso e morte, dando aos animais o estatuto de sujeitos de direitos emocionais compatíveis com a senciência, é preciso que o Brasil dê também os seus passos para eliminar as noções erradas que acalentamos sobre os seres semelhantes a nós. A única grande diferença entre eles e nós é que nosso formato exterior não é exatamente como o formato deles.

Indiferentes ao seu formato externo, os animais de todas as demais espécies possuem, como nós a possuímos, uma mente, na qual tudo o que é feito a eles, de bom e de ruim, é registrado emocionalmente, quer dizer, com a memória da dor ou do prazer, levadas para seu arquivo subjetivo, exatamente como ocorre conosco, em nossa mente.

Nasce, assim, a era dos Direitos Emocionais dos Animais, o reconhecimento da necessidade de restituirmos aos animais os Direitos Fundamentais dos quais jamais os deveríamos ter privado, tema sobre o qual fui convidada a falar na Assembleia Legislativa de Vitória há exatamente um ano atrás. 

Para quem se interessa pelo tema, pode ler:

Para ver a notícia:
fonte: http://germinar-loja.blogspot.com.br/

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