Por Lilian Regato Garrafa (da Redação)
April Bloomfield, uma chef de cozinha inglesa, dona de restaurantes em Nova York, lançou em abril deste ano seu livro de receitas, denominado A girl and her pig (Uma menina e seu porco). O nome singelo que une palavras delicadas transmite uma inocência que poderia nomear um livrinho de histórias infantis. O uso do pronome possessivo ‘her’ faz imaginar que não se trata de um porquinho qualquer: é o porquinho da menina. Como se fora um animalzinho de companhia, um cãozinho.
Capa do livro "A girl and her pig". (Reprodução)
Ao olhar, de relance, a capa do livro, a ideia parece até se confirmar: uma moça de branco com um porquinho enlaçado ao pescoço. O título da obra se inscreve em letras finamente delineadas e frágeis. Mas… o ilusionismo se desfaz com um olhar mais atento: o porco que a moça carrega está morto, costurado e etiquetado. Não se trata de uma menina em um ‘branco pureza’, mas de alguém que matou (ou pagou para que alguém matasse) o animal que ali se ostenta sem vida. E o leve sorriso que se esboça no canto de seus lábios sugere uma insensibilidade impiedosa, superior ao direito à vida, autorizada por sua posição privilegiada no ‘topo da pirâmide’.
No entanto, a imagem de muito mau gosto continua a deturpar o real sentido do ato que ali está implícito: o animal costurado é mostrado de forma absolutamente natural, sem nenhuma gota de sangue (cuja cor aparece apenas nas letras do título), sem nenhuma expressão de sofrimento. Como se fosse de plástico, imune à violência que, sabemos, se pratica banalmente da forma mais cruel possível. A imagem que a cena tenta transmitir é isenta de qualquer resquício de dor, com a naturalidade peculiar a quem é indiferente ao sofrimento alheio.
Os mesmos artifícios do velho marketing, agora com nova roupagem – o ‘branco-açougueiro’. Como nos anúncios de nuggets em que o próprio frango vende a si mesmo, em cenas bucólicas ou divertidas para atrair crianças e iludir o consumidor, mascarando de todas as formas a crueldade por trás do ato exploratório de comprar e comer animais, a capa do livro vende uma imagem ilusória colocando o animal coisificado, inerte, sem valor, a não ser o de incrementar os pratos para os paladares mais exigentes.
Estamos observando passivamente aberrações, vendidas como normais pelos interesses publicitários e econômicos, assim aprovadas pelo senso comum, e que têm tornado infinito o ciclo de confinamento, tortura e morte de seres sencientes que têm tanto direito à liberdade e à vida quanto qualquer ser humano.
fonte:anda
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