A queda das taxas de desmatamento da Amazônia é a maior vitrine das políticas ambientais do Brasil. Ninguém questiona o sucesso dessa política. Em 2004, mais de 27 mil quilômetros quadrados de florestas foram derrubados. Uma década depois, essa taxa está em 5 mil quilômetros quadrados por ano. Porém, desde 2009 o ritmo das sucessivas quedas vem diminuindo, sugerindo uma estabilização do desmatamento anual na Amazônia. Em 2013, a taxa até mesmo aumentou, e há o temor que volte a aumentar em 2014. Será que a estratégia para combater o desmatamento da Amazônia se esgotou?
Uma nova pesquisa publicada na semana passada na revista científica PNAS investigou essa situação. O estudo cruza os dados oficiais do desmatamento da Amazônia, monitorados pelo Inpe, com os setores censitários do IBGE. Como os setores são menores do que municípios, é possível criar um quadro mais detalhado do que está acontecendo na Amazônia, identificando o tipo de propriedade que está ou não desmatando: se são grandes fazendeiros, assentamentos da reforma agrária, desmatamento ilegal, entre outros. Ao analisar esses setores, a pesquisa identificou que todos os tipos de propriedades reduziram o desmatamento. Mas a queda nas grandes propriedades foi proporcionalmente muito maior do que nas pequenas, fazendo com que o papel do desmatamento de pequenos produtores aumentasse.
Javier Godar, pesquisador do Stockholm Environment Institute, da Suécia, e um dos autores do estudo, explica que as grandes propriedades ainda são as que mais desmatam. Mas a porcentagem dos pequenos produtores aumentou. Essa mudança é simples de explicar. Uma parte muito importante da estratégia brasileira para controlar o desmatamento foi a política de comando e controle. Monitorar o desmatamento por satélite, fiscalizar a derrubada de árvores e punir. "O foco do governo com controle e punição foi muito mais efetivo com os grandes proprietários. É mais fácil e mais barato mandar a fiscalização para uma grande propriedade que desmata muito do que para vários pequenos produtores que, individualmente, desmatam pouco", diz Godar.
Segundo ele, essa estratégia funcionou bem enquanto o desmatamento era muito alto. Mas a política começa a dar sinais de cansaço. "Focar nos municípios que mais desmatam foi uma boa ideia, mas agora o desmatamento está mais pulverizado, em áreas que não são detectadas pelos satélites". Além disso, Godar identifica uma mudança no contexto da Amazônia. Segundo ele, muita coisa mudou na região em dez anos: há mais infraestrutura, como estradas e barragens, houve uma mudança na legislação que aumentou as possibilidades do desmatamento legalizado, e a Moratória da Soja, que impedia o uso de áreas desmatadas para plantar, acabará no ano que vem. Todo esse contexto dificulta a meta brasileira de reduzir em 80% o desmate até 2020.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA), no entanto, discorda desse diagnóstico. Francisco Oliveira, diretor do Departamento de Políticas de Combate ao Desmatamento do MMA, acredita que a estratégia do governo ainda está funcionando e que os dados do Inpe não indicam uma estabilidade das taxas anuais de desmate. "Nós não olhamos para os dados do desmatamento só nos últimos anos. É preciso ver desde 2004. Claro que nos anos mais recentes as quedas não são tão acentuadas, mas o que nós estamos vendo em campo, nas fiscalizações, indica que os dados de 2014 mostrarão nova queda no desmatamento, mantendo a redução", diz.
Para Oliveira, as ações de comando e controle ainda são efetivas no combate ao desmatamento. Ele cita uma recente operação na região da BR-163, no Pará, onde o governo identificou uma relação entre garimpos ilegais e desmatamento. "O ouro extraído de forma ilegal financia as atividades de grilagem e desmatamento na BR-163, na região de Novo Progresso. Por isso, concluímos uma grande operação no final de agosto, junto com a Polícia Federal e o Exército, desmantelando uma quadrilha de crime organizado e prendendo criminosos. Só com essa ação, conseguimos reduzir em 65% o desmatamento naquela região".
Um dos pontos que o MMA concordou com os resultados da pesquisa é na pulverização dos desmatamentos. Segundo Oliveira, os desmatadores ilegais "espalham" os desmatamentos para burlar o sistema, já que o sistema Deter, que monitora a Amazônia por satélite, não consegue capturar desmatamentos pequenos. O diretor do MMA explica que o governo está tentando resolver esse problema com parcerias com outros países. Uma delas, com a Índia, permitirá usar um satélite de melhor resolução a cada cinco ou seis dias. Outra, com o Japão, colocará a disposição um satélite que enxerga através de nuvens, diminuindo as limitações do sistema atual.
O estudo do instituto sueco não pede o fim das políticas de fiscalização. Pelo contrário, elas devem continuar. Mas defende que é hora de colocar outras políticas em prática, para evitar os pequenos desmatamentos. Um dos pontos é a governança. A pesquisa identificou que pelo menos 20% da Amazônia ainda é considerada como "área remota", sem a presença do Estado. Os resultados do estudo mostram que o governo precisa ampliar sua presença na Amazônia, levando apoio à população local e às empresas para que a economia seja mais eficiente.
Outro ponto importante são os incentivos para produzir sem desmatar. O Brasil precisa encontrar uma forma de inserir os pequenos produtores no mercado, de uma forma que seja ao mesmo tempo economicamente viável e que mantenha a floresta em pé. Programas como os que preveem Pagamentos para Serviços Ambientais (PSA) ou créditos para redução do desmatamento (Redd) podem ajudar. Mas Godar faz um alerta. "Não é só pegar um dinheiro aqui e fazer um projeto ali. São várias políticas de incentivos juntas e coordenadas".
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