quinta-feira, 29 de maio de 2014

Em 2014, nós comíamos animais, crianças



13 Em 2014, nós comíamos animais, crianças
Vocês não fazem ideia do que era ser vegano em 2014. Vamos andando por aqui e eu vou contando. Era como remar contra a maré. Hoje ninguém precisa mais dizer que é vegano, mas não era assim, não. Existiam lugares legalizados – olha o absurdo: legalizados! – especializados em matar animais. Essa era a função dos chamados “abatedouros” e o governo incentivava, aplicava dinheiro de impostos nisso.
Quase não se fala mais que um dia, em um passado remoto, houve escravidão humana, mas aconteceu. Mesmo mais de um século depois de perceber que exercer poder sobre vidas humanas era errado, a humanidade continuou a tratar os animais como coisas. Não é bizarro? Alguns diziam que os animais não sentiam dor.

"Até hoje tem gente que não engole os 5x0 que levamos da Argentina na final."

Era ano de Copa do Mundo no Brasil. Crianças, vocês não têm noção do que foi aquilo. Procurem na supranet depois. Até hoje tem gente que não engole os 5x0 que levamos da Argentina na final. Vocês conseguem visualizar como o mundo já era um tanto civilizado e já tínhamos até aparelhos que chamávamos de smartphones? Mas a maior parte da população ainda comia animais.
Eu ligava a TV – vocês não sabem o que é isso, mas eu mostro uma imagem depois – e via programas de culinária cozinhando pedaços de animais ou usando secreções deles para fazer doces. É, era muito nojento, mas era normal para a época. Tínhamos um canal – uma “parte” da TV – dedicada ao comércio de animais. Eles vendiam como se eles fossem objetos, gritando valores pela vida daqueles inocentes. Se tivessem inventado a TV um século antes, haveria um canal de leilão de pessoas.
O avô de vocês foi um ativista vegano. Hoje o termo é batido, mas, na época da minha juventude, era difícil fazer as pessoas entenderem que não é uma dieta. A filosofia de vida começou a ganhar um grande espaço na sociedade lá para os anos 30, 16 anos depois dos 5x0 para a Argentina.
Milhões de pessoas já eram veganas em 2014 e boa parte delas fazia algum tipo de ativismo, em uma atitude desesperada de ajudar aqueles escravos.
Havia zoológicos. Pareciam santuários de animais, como vemos hoje, mas eram depósitos de vidas que visavam o lucro com a venda de ingressos. Seria cômico se não fosse trágico: as pessoas, lá em 2014, diziam que amavam animais – isso era quase uma unanimidade. Porém, mesmo dentro dos zoológicos – lugares onde as pessoas iam ver os animais que diziam amar – eram servidos pedaços de animais e as pessoas comiam aquilo. Era insana aquela época!

"Uma curiosidade sobre as finadas churrascarias: os garçons precisavam colocar pratos embaixo dos espetos enquanto andavam porque caía sangue demais das carnes espetadas neles."

Havia churrascarias e as pessoas adoravam ir lá. Eram como restaurantes, só que especializados em servir animais semicremados. Nas mesas, enquanto os garçons passavam com espetos repletos de pedaços de animais, as pessoas falavam em preservação ambiental e em como amam os animais. Uma curiosidade das finadas churrascarias: os garçons precisavam colocar pratos embaixo dos espetos enquanto andavam porque caía sangue demais das carnes espetadas neles.
Eram dias difíceis para os animais. Imaginem vocês que as pessoas argumentavam valores nutricionais da carne deles para justificar seu consumo. Acho que elas não pensavam que a carne humana e a de cachorro também têm nutrientes, mas nem por isso achávamos ético comer. Bem, pelo menos a maioria de nós.
Na TV, os programas se limitavam a discutir se comer animais era saudável ou não. Na maioria das vezes, os jornalistas sequer se davam ao trabalho de entender os motivos que levavam algumas pessoas a não comerem animais. Ovos, sabem? Isso, esses mesmos que saem do (...), bem, saem das galinhas. Vocês conseguem imaginar que as pessoas comiam aquilo? Aí, surgiu uma moda na Inglaterra onde as pessoas começaram a comer placenta e a maioria achava nojento. Mas, ovos, que têm um papel parecido ao da placenta humana, estavam liberados. Incrível, né?
Nós tínhamos trem-bala – que era considerado muito rápido –, mas ainda comíamos como no tempo das cavernas. A maioria tinha consciência de que animais sentem dor, mas ignorávamos isso na hora de comprar o que comer. Era uma sociedade estranha.

"Foras da lei, na época, eram os que invadiam propriedade privada para salvar animais. Haja trabalho para explicar que era um resgate e não um furto."

Hoje, são raros os que se aventuram a comer animais. Os que fazem, mesmo assim, são clandestinos, foras da lei. Em 2014, no entanto, os chefes de governo faziam propagandas na TV para falar sobre quantas toneladas de carcaças de animais o país exportou e como isso era importante para a economia da época. Se um século antes já existisse TV, teríamos filmes publicitários semelhantes exaltando a importância dos escravos humanos no desenvolvimento econômico da – eterna – colônia. Foras da lei, na época, eram os que invadiam propriedade privada para salvar animais. Haja trabalho para explicar que era um resgate e não um furto.
Desde que eu deixei o ativismo vegano, quando ele não se fazia mais necessário, me dedico a contar como eram as coisas naquele tempo. Vocês já viram o vovô saindo com o eletrocarropara dar palestras sobre isso, né? Eu faço isso para ter certeza de que não repetiremos os mesmos erros de novo. Eu espero que vocês possam fazer isso também quando o vovô for embora.
Não vou mentir, crianças. Houve vezes em que eu gostaria de ter nascido 100 anos depois, mas acho que eu tinha que passar por isso. De certa forma, acho que seu avô ajudou um pouco a diminuir o sofrimento daqueles animais. Pobres animais. Fico feliz de ter vivido o suficiente para ver o mundo que vejo hoje.
Fabio Chaves, 29 de maio de 2084. 
23 Em 2014, nós comíamos animais, crianças
Fonte: http://entretenimento.r7.com/blogs/fabio-chaves/2014/05/29/em-2014-nos-comiamos-animais-criancas/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

verdade na expressão