Um coração virtual formado de bits pode revelar mais sobre o corpo humano do que experimentos feitos com animais de carne e osso. Pesquisas recentes mostram que modelos computacionais são capazes de detectar doenças e até testar a eficiência de tratamentos sem colocar o paciente em risco.
Na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, um grupo multidisciplinar de pesquisadores endossa as evidências nesse sentido. Recentemente, radiologistas, cientistas da computação, físicos e cardiologistas da instituição desenvolveram um método não invasivo de diagnóstico por imagem da doença arterial coronariana baseado em um modelo computacional do fluxo sanguíneo do coração de cada paciente.
A doença arterial coronariana (DAC), uma das principais causas de morte em todo o mundo, resulta do entupimento dos vasos sanguíneos do coração por placas de gordura.
Na nova técnica, um programa de computador, batizado de HemoVis, usa as imagens do interior do coração geradas por tomografia computadorizada para reconstruir tridimensionalmente o órgão do paciente e simular o movimento do sangue em suas veias e artérias.
Com o coração modelado de modo fiel ao do paciente, o programa usa cálculos físicos e matemáticos para apontar a velocidade do sangue em cada ponto e a tensão provocada nas paredes dos vasos.
Quanto mais lento for o fluxo sanguíneo em uma determinada região, mais provável é o acúmulo de gordura no local. Quanto mais veloz, menor a chance de haver um problema. Assim, é possível detectar as áreas de maior risco de entupimento e que, portanto, merecem mais atenção.
“O que faz de nossa simulação única é a aplicação de conceitos da física”, diz a física Michelle Borkin, responsável pela criação do HemoVis. “Nós somos capazes de simular o movimento das partículas de sangue pelos vasos sanguíneos e artérias de modo muito preciso.”
O novo método é uma alternativa mais eficiente ao diagnóstico convencional da doença, realizado pela angiografia, procedimento em que é feita uma radiografia da região do coração do paciente após ele receber uma injeção de contraste que realça a imagem dos vasos sanguíneos.
O radiologista do Hospital Universitário de Havard Frank Rybicki, que já usa o modelo computacional para diagnosticar seus pacientes, ressalta a grande possibilidade de prevenção aberta pela nova técnica.
“O método tradicional só leva em conta a imagem, que pode ser mal interpretada pelo médico”, diz. “O nosso modelo é capaz de detectar regiões dos vasos que se tornarão problemáticas em futuro próximo para que se possa intervir antecipadamente.”
Animais, máquinas e humanos
Além de diagnosticar doenças, as simulações do coração virtual podem ser usadas para testar a eficiência de um tratamento, como mostram pesquisadores da Universidade da Califórnia (Estados Unidos), que criaram um modelo capaz de prever o efeito colateral de certos medicamentos usados para tratar a arritmia, doença causada pela alteração dos impulsos elétricos que fazem o coração bater.
Apesar de muitas tentativas da indústria farmacêutica, o tratamento para essa condição tem falhado justamente por causa do desconhecimento sobre os efeitos dos medicamentos no comportamento elétrico do coração.
“Em alguns casos, as drogas usadas podem danificar o sistema elétrico do coração ou até piorar o seu ritmo de batimentos, levando o paciente à morte”, afirma a líder da pesquisa, Colleen Clancy.
O modelo desenvolvido pela equipe de Clancy revela como os componentes de um medicamento interagem com as células cardíacas usando dados sobre a ação do medicamento obtidos previamente em experimentos com animais.
Apesar de não descartar totalmente os testes in vivo, o modelo reduz a necessidade desse tipo de prática, pois, uma vez calibrado, pode simular os efeitos de diferentes drogas em diferentes concentrações e os padrões de batimento cardíaco correspondentes.
“As combinações que podem ser testadas são praticamente infindáveis, diferentemente de um experimento tradicional, com o qual conseguimos acompanhar, no máximo, dois processos simultaneamente”, diz Clancy. “Se dependêssemos somente de experimentos com animais, não teríamos essa facilidade, pois eles são muito mais caros, complexos e demorados.”
Até agora foram testados dois medicamentos para arritmia com o novo modelo: a lidocaína e a flecainida. A simulação mostrou que, se aplicadas em células isoladas, ambas diminuem os batimentos cardíacos sem causar danos. Já quando aplicadas a todo o tecido cardíaco, a flecainida demonstrou efeitos colaterais já registrados em pacientes anteriormente, provocando a arritmia ao invés de controlá-la.
“Animais não são humanos; para muitas drogas, já foi demonstrado que há diferença de sua eficiência entre espécies”, diz Clancy. “Claro que um modelo computacional também não é humano, mas é mais humano do que um camundongo. Enquanto não for possível testar todas as variáveis diretamente em tecidos humanos, os modelos computacionais são a melhor opção.”
Fonte: http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2011/10/bit-coracao
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